Atualmente são três os principais diplomas legais vigentes que disciplinam a liquidação bancária. A Lei nº 6.024, de 1974, o Decreto-Lei nº 2.321, de 1987 e a Lei nº 9.447, de 1994, formam um conjunto normativo esparso e pouco orgânico, com preceitos que refletiam uma conjuntura circunstancial da data em que foram emanados. Tais leis foram marcadamente influenciadas por um mercado financeiro brasileiro paroquial e sensivelmente mais incipiente do que o atual, em que o regime inflacionário grassava na economia inibindo uma disciplina financeira rígida que se instalou depois do advento do Plano Real.
O primeiro dentre os diplomas legais referidos, a Lei nº 6.024, de 1974, ocupou-se em ser muito mais uma sistematização dos dispositivos que existiam até então - especialmente o Decreto-Lei nº 8.495, de 28 de dezembro de 1945, e a norma de um ano depois, o Decreto-Lei no 9.228, de 3 de maio de 1946. Tais normas inovaram o sistema jurídico brasileiro ao estabelecer tipos de procedimentos excepcionais de falência ou de reorganização bancária que poderiam ser conduzidos extrajudicialmente, sob a direção de um liquidante designado pelo Ministério da Fazenda. Já o Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, por seu turno, criou um terceiro tipo de regime especial, o Regime de Administração Especial Temporária (Raet), em que o mandato dos administradores e membros do conselho fiscal da sociedade é cassado, sem afetar, porém, o andamento regular da instituição.
Diferem, contudo, entre si, os vários regimes. O primeiro, o da liquidação extrajudicial, é medida mais grave e definitiva, quando se têm indícios de insolvência irrecuperável ou quando foram cometidas sérias infrações às normas legais. Já a intervenção causa somente a suspensão das atividades normais, bem como a destituição dos respectivos dirigentes. Tanto a intervenção como o regime da administração especial temporária são medidas de natureza cautelar que pretendem evitar o agravamento das dificuldades com vistas a afastar, definitivamente, os riscos patrimoniais.
Todas as fórmulas de intervenção estatal na solução de instituições financeiras em crise visam evitar uma corrida bancária por parte dos depositantes, além de preservar a estabilidade do sistema financeiro nacional. Justifica-se a adoção de fórmulas especiais em virtude da confiança dos depositantes - que são pequenos, muitos e pouco sofisticados -, e se faz necessário evitar o perigo do contágio, colocando em riscos suas poupanças mobilizadas.
Comprova-se, nestes anos que, na experiência especialmente a anterior a 1994, que ensejou tais regimes especiais enquanto "lex specialis", tiveram baixo êxito em seus propósitos originais, de saneamento do mercado financeiro. Com resultados restritos e questionáveis, tanto do ponto de vista dos credores como também da eficácia enquanto regimes saneadores. A falta da necessária transparência dos procedimentos concursais típicos dos procedimentos falimentares pode constituir-se em uma das principais razões a que se atribui esse fato. Por outro lado, os regimes cautelares da intervenção ou mesmo da administração especial temporária se provaram absolutamente ineficazes nos seus propósitos originais de prevenção às crises, em especial por assemelharem-se, sem que apresentassem nenhuma garantia substancial ao sistema financeiro no tocante à sua recuperação.
A justificativa da natureza extrajudicial dos regimes especiais centrava-se em quatro argumentos centrais, a iniciar-se pela celeridade do processo, alegando-se que a administração pelo Banco Central seria muito mais ágil e eficiente, visto que, por concentrar em instância administrativa única, tudo o que diz respeito à forma e à operação da liquidação poderia ser lá resolvido. Em segundo lugar, a falta de relação entre a insolvência e a natureza da liquidação, já que os bancos entravam em liquidação imediatamente depois de saques a descoberto na conta de reservas bancárias - hoje impossibilitadas pelo advento da Lei nº 10.214, de 2001, e do novo Sistema Brasileiro de Pagamentos, cuja entrada em vigor se dará no início do ano vindouro. Em terceiro, defendia-se o regime extrajudicial em face da posição privilegiada do Banco Central, por ser, até em função do argumento anterior, quase sempre credor privilegiado em relação aos demais. Finalmente, alegava-se o conhecimento especializado da matéria bancária como justificativa pela qual o Banco Central deveria atuar nos procedimentos interventivos ou liquidatórios.
Tais alegações, no entanto, não encontram sustentação na prática dos últimos 26 anos. Primeiro, as liquidações perduram até mesmo por décadas, haja vista a quantidade de questionamentos e entraves jurídicos que surgem após a decretação do regime especial e que obstruem qualquer tipo de solução que possa encaminhar-se a um término satisfatório, que proteja os interesses dos credores. Depois, o fato de não se permitirem saques a descoberto dos mecanismos da reserva bancária ou mesmo dos mecanismos de redesconto. É a Circular nº 2.965, de 8 de fevereiro de 2000, que tem como finalidade detalhar a resolução emanada pelo Conselho Monetário Nacional e que estabeleceu a concessão de mecanismos de redesconto do Banco Central aos bancos, transferindo, porém, a responsabilidade, antes pública, para os próprios agentes econômicos onde a lei inibe por definitivo o papel do Banco Central como credor nas futuras liquidações. Por fim, o Poder Judiciário, mesmo que ainda não inteiramente especializado na matéria financeira, possui maior conhecimento no trato das questões concursais, além de aliar a desejável transparência do processo judicial e a preservação dos direitos constitucionais de propriedade.
Desnecessário afirmar que, nos últimos 35 anos de vigência de tais regimes, com as sucessivas crises bancárias experimentadas, a autoridade monetária brasileira ficou sujeita às mais difíceis e variadas decisões tanto de liquidação extrajudicial das instituições financeiras insolventes como também da administração das massas liquidandas e da organização dos respectivos concursos de credores, muitas vezes experiência que se mostra desgastante e frustrante.
Daí, é da maior importância a minuta de projeto de lei proposta em audiência pública, pelo Banco Central, que, de modo geral, avança substancialmente na implantação de um novo sistema de regimes especiais, incorporando aspectos da moderna doutrina falimentar, com a inclusão de um papel mais ativo por parte do Poder Judiciário.
Autor: Jairo Saddi
Fonte: Valor Econômico (14/12/2009)