A não tão recente assim legislação sobre a recuperação de empresas e falências pretendeu positivar, no sentido de permitir - e mesmo incentivar - mecanismos jurídicos úteis para o cumprimento do princípio da preservação da empresa.
Já se tratava - a preservação da empresa - de vetor interpretativo que predominava nos julgamentos em uma série de aspectos, como por exemplo, a criação jurisprudencial da figura da dissolução parcial da sociedade, e mesmo em lei, com a admissão, no Código Civil de 2002, da unipessoalidade temporária (180 dias) das Sociedades Limitadas.
Foi este, sem dúvida, um dos maiores objetivos do novel ordenamento falimentar. Em outras palavras, em sendo possível a recuperação - seja judicial ou extrajudicial - afastada ficará, ao menos inicialmente, a possibilidade de falência.
Assim é que, mesmo em um processo iniciado por credor cujo objetivo seja a decretação da falência do devedor, ainda assim, será possível a instauração da recuperação judicial. Com efeito, quando, por exemplo, a falência é requerida com base no critério da impontualidade (artigo 94 inciso I da lei), ela não será decretada se o requerido apresentar pedido de recuperação judicial no prazo da contestação (artigo 94 inciso VII), preenchidos os demais requisitos, evidentemente.
O que, em outras palavras, significa dizer que em sede de contestação pode ser apresentado pedido de recuperação judicial.
E aqui reside o ponto nevrálgico de nosso questionamento que é o de se saber se acaso o requerido não contesta ou o faz fora do prazo legal, mas, em qualquer destes casos, apresenta, ainda que a destempo, requerimento de recuperação judicial, deve ser indeferida de plano tal pretensão, uma vez que ele já é revel.
Antes de passarmos a responder e, apenas para espancar dúvidas, relembre-se que o prazo para apresentar o requerimento de recuperação judicial é o da contestação, como dito, mas o da apresentação do plano de recuperação em si é de 60 dias a contar da decisão que deferir o processamento do plano (artigo 53 da lei). Por outro lado, a decisão que decreta a falência tem natureza de sentença (artigo 99 da lei).
Passamos a encetar, doravante, esforços no sentido de sugerir uma solução para o tema.
Aqui cremos que devem ser distinguidas duas situações. A primeira é a do devedor que já teve sua falência decretada por sentença. Neste caso, deverá apresentar o competente agravo por instrumento (artigo 100 da legislação). Já quando ainda não decretada a falência, deverá operar no primeiro grau de jurisdição.
A revelia, como sabido, é uma situação processual que se instaura quando o réu se queda inerte diante da postulação autoral.
Sem dúvida que o requerido que não contesta ou contesta tardiamente é revel. Ocorre que nem sempre da revelia vem a confissão. O Código de Processo Civil determina estas hipóteses (artigo 320).
Em primeiro lugar, à revelia, em geral, não tem sido concedidos os devastadores efeitos que outrora a ela se quiseram emprestar. O excessivo formalismo processual em detrimento da verdade material vem sendo paulatina e metodicamente reduzido a cada nova safra de julgamentos dos tribunais. Por exemplo, contestações extemporâneas hoje encontram fortes entendimentos no sentido da impossibilidade jurídica de seu desentranhamento dos autos, devendo o juízo levar em consideração os fatores elencados neste tipo de resposta do réu.
Se tal fenomenologia se dá no processo em geral, com mais razão deverá florescer no âmbito do processo falimentar/recuperacional.
É que, diante de toda a principiologia que fundamentou a confecção da novel legislação falimentar, fica clara a inadequação da transposição acrítica do texto do CPC para a atual lei de recuperações e quebras, mormente quando, como referido, no próprio campo do direito processual "não falimentar " vem o formalismo cedendo espaço ao conhecimento da verdade material.
Ao que nos parece, o requerimento de plano de recuperação, ainda que fora do prazo da contestação não pode ser sumariamente desconsiderado pelo Judiciário, sob pena de se perverter toda a sistemática orientativa do sistema recuperacional/falimentar.
Demais disso, como sabido, o procedimento falimentar não é uma mera ação de cobrança, mas visa, como sobredito, à composição de interesses privados vários e do interesse público na manutenção da empresa e proteção - indireta - do mercado - mercado que é objeto de proteção do ordenamento jurídico enquanto campo de atuação dos agentes econômicos.
Destarte, se apresentado ainda antes da sentença, cremos que o magistrado deverá avaliar criteriosamente o pedido de recuperação e caso o entenda factível, defira para que se apresente o plano em si. Se apresentado após a sentença, poderá ainda o mesmo magistrado, exercendo uma possível retratação, tomar a mesma medida - já que se trata de sentença que desafia agravo por instrumento - ou o tribunal respectivo poderá se convencer da plausibilidade do plano. Ao nosso ver o empecilho absoluto a tanto ocorreria apenas na hipótese de existência já de coisa julgada.
E não é demais dizer que o instituto da recuperação readquiriu, no novel ordenamento, um tanto do espírito anterior ao agora revogado Decreto-Lei nº 7661, de 1945 (anterior lei falimentar), quando a concordata era de fato, uma concordância entre os credores e o devedor, e não um mero favor judicial/legal, como foi no período de 1945 a 2005.
Enfim, o que importa nesta passagem ressaltar é que a revelia, cujos efeitos, em geral, já vêm sido mitigados, não poderá, em especial no processo falimentar, criar o fantasma da confissão, a assombrar todo um sistema que foi criado para a manutenção das empresas que se mostrem economicamente viáveis.
Autor: Társis Nametala Sarlo Jorge e Viviane Matos González Perez são, respectivamente, procurador federal da AGU, professor/coordenador do LLM em direito do Ibmec/RJ e procuradora do município de São Gonçalo (RJ) e mestre em direito
Fonte: Valor Econômico (07/06/2010)