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Opinião Jurídica: Rumo a um mercado de ativos de recuperação

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Se o que confere existência e caracteriza os mercados é a sua regulação, então a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.934-2, recém-julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), contribuiu para pavimentar o caminho rumo à criação de um mercado de ativos de empresas em recuperação. A autorização estatal a determinadas trocas econômicas não importa na criação de um mercado, mas é um requisito indispensável à sua implementação.

É bem verdade que a alienação de ativos do empresário endividado, de boa-fé e com o fim de manter a empresa, já era, antes da nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas - a Lei nº 11.101, de 2005 - permitida pela norma do artigo 164 do Código Civil, que reproduz o texto do artigo 112 do código anterior. A alienação de ativos, nessas circunstâncias e para esses fins, porque configura trespasse - na forma do artigo 1.146 do Código Civil -, determina, contudo, a imputação de responsabilidade ao adquirente, solidário ao alienante, pelas dívidas constituídas antes da transferência. Essa consequência é uma solução corrente em inúmeros julgados, especialmente em matéria trabalhista.

Deve-se lembrar, entretanto, que a permissão legal para vender ativos, condicionada à alocação do produto da venda na manutenção da empresa e à assunção das dívidas do alienante pelo adquirente, não se mantém se já houver execução em curso, capaz de reduzir o alienante à insolvência. Assim, se, incidente a norma do artigo 593 do Código de Processo Civil, o juiz declarar fraude à execução, o negócio será desfeito.

É fato que a sucessão do adquirente e a fraude à execução alinham-se para obstaculizar a alienação de ativos de empresas em dificuldades, produzindo, muitas vezes, resultados incompatíveis com o fim de proteger credores. Sabe-se que essas medidas protetivas diminuem drasticamente a liquidez e o preço dos ativos, além de incentivar o emprego de falsidades e simulações, mesmo quando o que se quer é manter a empresa e pagar os credores.

As regras do artigo 60 e do inciso II do artigo 141 da nova Lei de Falências, objeto do controle de constitucionalidade pleiteado e afirmado na referida Adin nº 3.934-2, têm, por outro lado, a finalidade de regular e restringir a aplicação da regra da sucessão, afastando-a, no âmbito de um plano de recuperação, também em relação aos créditos trabalhistas, quando a alienação do ativo concorrer à efetiva reabilitação da atividade, ou, ainda, na realização dos ativos do falido. O processamento do pedido de recuperação suspende as execuções e as demais medidas de cobrança em face da recuperanda e torna possível angariar recursos para pagar credores e reabilitar a atividade empresarial, sem que paire, sobre esses negócios, incerteza e insegurança intoleráveis, ainda que seja possível, na análise de cada caso concreto, o desfazimento dos negócios que, no bojo de um plano de recuperação aprovado, desviarem-se de sua finalidade e/ou tiverem malversados os seus produtos.

A declaração da constitucionalidade dessas regras não é, todavia, e a despeito de ser um passo decisivo, o suficiente para criar um mercado de ativos de empresas em recuperação, que seria valioso tanto para a plena satisfação dos direitos dos credores quanto para a recuperação da empresa. Serão convenientes e necessárias, ainda, a intervenção estatal ou a manifestação da iniciativa privada - nos limites da autorregulação - para incentivar o surgimento de mecanismos de classificação e de uma ideal formação de preços desses ativos, o que poderia ocorrer por meio da criação de bolsas de ativos. Essas bolsas, que seriam vias negociais reguladas, poderiam ser administradas, por exemplo, pelas federações de indústria e comércio ou por outras organizações privadas, admitindo à negociação apenas ativos cuja alienação encontre-se prevista e devidamente autorizada na forma de um plano de recuperação ou na fase de arrecadação em falência.

Os riscos residuais, a exemplo da possibilidade da alienação ser considerada fraudulenta em espécie, mormente em reclamações trabalhistas, seriam melhor acessados pelos adquirentes e até mesmo mitigados pela publicidade que se conferiria ao negócio, bem como pelo emprego dos recursos dele derivados. O preço vil, que é uma das frequentes alegações a vulnerar a alienação de ativos em recuperação, sai de cena com a adoção de mecanismos objetivos de precificação, fundados no encontro, no mercado, das maiores ofertas de compra com as menores ofertas de venda.

O surgimento dessas vias negociais mitigaria assimetrias de informação, atribuindo segurança aos adquirentes e melhores visibilidade, liquidez e preços aos ativos, de modo a beneficiar as empresas recuperandas e os seus credores, assumindo, por fim, uma relevância econômica capaz de desbordar os limites e os objetivos da recuperação de empresas.

 

Autor: Walfrido Jorge Warde Jr. e Rudi Alberto Lehmann Jr.

Fonte: Valor econômico (17/07/2009)

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