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Opinião Pública: Decisões judiciais na recuperação de empresas

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A atual crise econômica fez crescer não apenas o número de empresas que se socorrem da recuperação judicial, mas também o porte médio dessas empresas, considerado o patrimônio, faturamento e endividamento.

Por conta das características dessa crise, as empresas exportadoras de commodities são as que até este momento parecem ter enfrentado as maiores dificuldades, devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira, forte oscilação de preços e escassez de crédito para o financiamento de capital giro. Para algumas dessas empresas, a recuperação judicial passou a ser a única alternativa de sobrevivência à crise.
No entanto, o que parece não estar claro para a maioria das empresas em recuperação, seus administradores, e por que não dizer, seus assessores, é o fato de que, superada a crise momentânea, as bases para a manutenção de suas atividades, no longo prazo e em condições normais, continuarão, como não poderia deixar de ser, exatamente as mesmas: mercado e crédito.

O mercado, em regra (e de preferência), não está sujeito à influência de uma empresa, de seus credores ou de outros atores envolvidos com a recuperação judicial. Mas o crédito, este sim, está diretamente sujeito a essas influências, pois como todos sabem, tem sua disponibilidade e custo intimamente relacionados ao fator risco.

Ocorre que a recuperação judicial, instituto jurídico cujo mérito propalado quando de sua criação foi justamente a redução dos spreads bancários, por conferir maior segurança jurídica aos credores, incoerentemente tem revelado algumas incertezas de graves consequências. Isso porque as garantias aos financiamentos concedidos - instrumentos de redução de riscos e por consequência dos juros - estão sob ameaça na recuperação judicial. E o pior, por absoluta negativa de vigência a dispositivos legais expressos.
Infelizmente, não têm sido raras as decisões de primeira instância no sentido de autorizar a alienação de bens dados em garantia, sob a justificativa de necessidade de recomposição de capital de giro para a manutenção da atividade empresarial, ignorando, assim, a prerrogativa legal expressamente conferida no parágrafo primeiro do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, cujo teor determina que apenas o credor pode autorizar a alienação, supressão ou substituição de suas garantias.

Sem atacar a nobreza dos fins, fato é que a dificuldade financeira jamais serviu de justificativa ou razão para a transgressão de direitos ou para a prática de atos ilícitos, pois, diferentemente, estaria instaurado o caos social - a segurança jurídica é reconhecidamente um dos pilares do estado democrático de direito.

Se o estado democrático de direito parece um tema interessante apenas aos jurisconsultos de plantão, fato é que a segurança jurídica de cada país é fator determinante e fundamental para que os investidores determinem seus mercados e os juros que serão cobrados em cada um deles.

Como se não bastasse, contrariando inclusive os interesses das próprias empresas em recuperação, agora há um movimento no sentido de se estender a proteção legalmente prevista apenas às empresas em dificuldade aos seus avalistas, coobrigados e fiadores - em regra os próprios controladores da empresa em recuperação. Vale ressaltar que o artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência é expresso no sentido de que durante a recuperação judicial os credores conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (artigo 49 da Lei de Recuperação e Falência).

Especialmente no caso de aval prestado pelos controladores das empresas, que na prática tem sido o exemplo mais recorrente, a extensão da proteção aos avalistas fere o princípio da autonomia e da independência da garantia, já consagrado pela Lei Uniforme de Genebra.

Neste caso, além da insegurança jurídica lançada sobre as garantias fidejussórias concedidas para os empréstimos, há o agravante do desvio da finalidade da recuperação judicial - que passará a servir não mais para a preservação da atividade da empresa, mas para a preservação do patrimônio de seus controladores, em flagrante e inaceitável desvirtuamento ao artigo 47 da Lei de Recuperação e Falência. Esta pretensão, inclusive, contraria um dos princípios fundamentais da Lei de Recuperação e Falência, qual seja, o da necessária separação entre empresa e empresário, e revela, no mínimo, um claro sintoma de confusão de interesses.

Ou seja, a ampliação dos efeitos da recuperação judicial para os coobrigados de todo gênero não traz nenhum benefício para as empresas em recuperação ou para a sociedade em geral, e esse movimento serve, portanto, para o benefício particular dos controladores, em prejuízo exclusivo dos credores - e por que não dizer do próprio sistema financeiro - o que não pode ser aceito pelo Poder Judiciário.

Felizmente, como se pode depreender de diversos precedentes dos Tribunais paulista (recursos 7.361.654-3, 7.377.961-0 e 7.342.554-6, dentre outros), gaúcho (recursos 70030304455, 70028119014, dentre outros) e mineiro (recurso 1.0024.06.074557-7/001), os tribunais brasileiros vêm mantendo um posicionamento coerente com o texto legal, protegendo as garantias reais prestadas aos créditos sujeitos aos efeitos da recuperação judicial e permitindo a manutenção das ações contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso da empresa em recuperação judicial -- muito embora existam ainda exemplos contrários.

Em apertada conclusão, tanto a transgressão dos direitos dos credores detentores de direitos reais quanto a violação das garantias fidejussórias (pessoais) com vistas à proteção patrimonial dos controladores, além de ilegais, são medidas imediatistas que podem culminar em retração (ainda maior) do crédito e aumento das taxas de juros, o que impacta negativamente não apenas na atividade de uma empresa, mas a economia nacional em sentido amplo.

 

Autor: Fábio Pascual Zuanon

Fonte: Valor econômico (02/10/2009)

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