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Participação de detentores de notes em processos de recuperação de empresas brasileiras ganha mais definição

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A emissão de títulos no exterior, ou de papéis representativos de dívida (os notes ou bonds), depositados e custodiados por instituições estrangeiras, tem sido uma importante ferramenta de captação pelas empresas brasileiras.

Tais títulos são, normalmente, regulados por uma escritura de emissão (indenture), que estabelece os direitos e deveres dos titulares (os bondholders ou noteholders), emissores e garantidores das notas, bem como do agente fiduciário (trustee), que representa o conjunto de detentores de notas.

As escrituras de emissão podem ser mais ou menos detalhadas em relação às consequências da insolvência, falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial da empresa emissora ou da sua garantidora, e são, por prática do mercado, invariavelmente, regidas por lei estrangeira.

Assim como a crise econômica global colocou à prova a Nova Lei de Recuperação e Falência (Lei nº 11.101/2005 – "LRF"), ela também passou a testar a maneira como os notes impactam a reestruturação da empresa, nos seus aspectos financeiros e jurídicos.

Quando as empresas brasileiras passam por dificuldades financeiras, o fato de ter emitido títulos no mercado internacional pode aumentar a complexidade de eventual processo de falência ou recuperação, além de fazer surgir diversas questões jurisprudenciais inéditas.

O primeiro caso notório em que essa questão foi discutida judicialmente no âmbito de uma recuperação judicial foi o da Parmalat (Processo nº 583.00.2005.068090-0, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo). A empresa recuperanda havia emitido notes, que tinham como agente fiduciário o Deutsche Trustee Company Limited.

Em primeira instância, foi negado ao agente fiduciário o direito de participar da Assembleia Geral de Credores (AGC) e de votar em nome dos titulares das notas. No entanto, a Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reconheceu o direito do agente fiduciário, como órgão representante dos detentores dos títulos, de participar, com voz e voto, da AGC.

Nessa ocasião, o TJSP fez referência à semelhança existente entre o agente fiduciário e o agente fiduciário dos debenturistas, previsto na Lei das Sociedades Anônimas, e analisou a escritura de emissão das notas para concluir pela possibilidade de o agente fiduciário participar da AGC independentemente de prévia autorização de assembleia dos detentores dos títulos.

Na recuperação judicial do Frigorífico Independência (Processo nº 108.01.2009.000928-5, em trâmite perante a 1ª Vara Cível de Cajamar), por sua vez, houve decisão, em primeira instância, intimando o agente fiduciário, Bank of New York Mellon, a apresentar “todos os documentos comprobatórios de sua representação”, bem como “a relação pormenorizada de todos os efetivos e reais detentores das Notas (que sejam necessariamente os beneficiários finais das Notas), com os documentos que comprovam tal titularidade”, sob pena de perda do direito a participar e votar na AGC. Isso com base na alegação de que era necessário verificar se os titulares das notas não possuíam relação com a recuperanda, passível de impossibilitar seu voto na AGC, nos termos do art. 43 da LRF.

Por conta dessa decisão, alguns dos detentores de notas requereram a sua participação direta na AGC, mediante apresentação de comprovação da titularidade das notas, bem como de seus documentos societários. Esse pedido foi deferido pelo mesmo Juízo da recuperação judicial e osbondholders, organizados em grupo, representados por seus advogados, puderam, efetivamente, participar das negociações do plano de recuperação judicial e da sua subsequente aprovação pelas respectivas AGCs.

Ao mesmo tempo, o agente fiduciário recorreu da decisão que havia limitado o exercício do seu direito de voz e voto na AGC, e o TJSP acolheu o seu pedido.

Tendo em vista que tanto os bondholders quanto o agente fiduciário estavam judicialmente autorizados a participar e a votar na AGC, os créditos dos detentores de títulos que haviam requerido sua participação individual foram "desmembrados" do crédito total correspondente à emissão, tendo, tais bondholders, exercido diretamente seu direito de voz e voto, ao tempo que o agente fiduciário veio a exercer tal direito pelo crédito restante, em nome dos bondholders remanescentes.

Analogamente, na recuperação judicial do Grupo Arantes (Processo nº 576.01.2009.014344-3, em trâmite perante a 8ª Vara Cível de São José do Rio Preto), também houve participação individual e direta de alguns dos detentores de notas na AGC. Contudo, em razão de restrições constantes daindenture, o administrador judicial não permitiu que o agente fiduciário votasse pelo remanescente.

Nesses dois casos, percebeu-se que a participação dos bondholders pode trazer diversos benefícios para a reestruturação da empresa, em razão da expertise financeira que possuem, contribuindo para a negociação e viabilização do plano de recuperação.

Ademais, não se pode desprezar a possibilidade de que as instituições detentoras dos títulos se envolvam nas operações de novos financiamentos das empresas recuperandas, essenciais para o sucesso da sua estratégia de reestruturação.

Deve-se notar que a representação direta por parte dos detentores de notes não é fenômeno exclusivo da recuperação e também ocorreu no processo de falência do Banco Santos (Processo nº 583.00.2005.065208, em trâmite perante a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo). Como se percebe, a utilização de notes pode ter consequências relevantes para os procedimentos de recuperação judicial ou falência das empresas brasileiras, e suscita novos desafios para o Judiciário e para a advocacia no Brasil, como as hipóteses e requisitos para que titulares de notas ou bondsvenham a participar diretamente do processo de recuperação ou falência, como legítimos credores que são, de empresa brasileira.

A impossibilidade de exercício de voto pelos credores de bonds, em muitas recuperações, pode significar a ausência de representação de credores de parte extremamente significativa da dívida, colocando em dúvida se a deliberação final da classe respectiva, efetivamente espelha a vontade da maioria dos credores que a compõem. 

Em especial, é importante que o estudo e a prática relacionados ao tema cuidem para que, de um lado, a escritura de emissão de títulos no exterior preveja, detalhadamente, as consequências de eventos de insolvência, bem como a forma de atuação do agente fiduciário nesses casos, e, de outro lado, seja reconhecida a eventual legitimidade da representação dos créditos decorrentes de bondsestrangeiros, conforme as peculiaridades do caso, diretamente pelos seus detentores ou pelo agente fiduciário, nos termos da indenture.

Autores: Domingos Refinetti, Renata Oliveira e Gisela Mation. Respectivamente, Presidente do Comitê de Políticas Internas, Associados e Alianças da TMA Brasil e sócio do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, e advogadas do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados

Fonte: http://www.bmfbovespa.com.br (09/12/2010)

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