Com 28 anos no mercado e sede principal localizada no município de Gravataí, no Rio Grande do Sul, o grupo SudMetal sentiu os efeitos da escassez de crédito nos últimos anos. Sem fôlego financeiro, a empresa entrou em fevereiro com pedido de recuperação judicial, que foi deferido e tramita na Justiça estadual gaúcha. A empresa chegou a ter 2 mil funcionários distribuídos em quatro empresas que fabricam produtos metalúrgicos: Sudmetal, Fundição Becker, Industrial Hahn Ferrabraz e SM Metalúrgica.
As empresas, que adotam regime de caixa único, relatam no processo que desde 2011 passaram a ser alvo de protestos e progressiva dificuldade para obter maior prazo de pagamento na compra de matérias-primas. O capital de giro foi destinado ao pagamento em atraso de credores e começou a inviabilizar a produção, mesmo com grande volume de encomendas.
O grupo, que em "períodos áureos" faturou R$ 30 milhões mensais, chegou a um endividamento superior a R$ 100 milhões. Em janeiro, a empresa demitiu 600 funcionários para cortar custos. Procurado, o advogado da SudMetal, André Estevez, disse que a empresa prefere não comentar o assunto.
O caso da metalúrgica gaúcha não é isolado. De acordo com levantamento feito pela Serasa Experian a pedido do Valor PRO, o serviço de informação em tempo real do Valor, os indicadores de solvência financeira das empresas estão piorando, com ênfase para o setor industrial. Entre janeiro e setembro, as requisições de falências de empresas do setor subiram 8,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. O dado chama mais atenção quando se leva em conta que na média de todos os setores as falências requeridas caíram 4,75%.
Considerando apenas o terceiro trimestre, os pedidos de falência aumentaram 6,8%, puxados pela alta de 32,9% na indústria e de 6,5% no comércio. Para Luiz Rabi, economista da Serasa, o aumento da insolvência nos últimos meses não é pontual e está relacionado com a alta da taxa de juros e, mais recentemente, à perda de dinamismo da atividade econômica. Na indústria, essa deterioração é mais forte, pressionada ainda por aumento dos custos em ritmo mais rápido do que a inflação, diz. Por isso, a participação do setor no total de pedidos aumentou de 35% para 40% entre janeiro e setembro deste ano, na comparação com os mesmos meses de 2013.
José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), lembra que, no caso da indústria, o pedido de falência costuma ser feito pelo fornecedor ocasional, não pelo contumaz, que conhece o cliente e quer preservar a relação comercial. A elevação no volume de pedidos pode indicar um esgotamento das possibilidades de cobrança e da perspectiva de continuidade dessa relação, diz ele.
Para Roriz, o quadro atual é resultado da perda de rentabilidade no setor industrial. Estudo da Fiesp mostra que de 2008 a 2012 o retorno da renda fixa foi de 62%, bem maior que os 47% de retorno da atividade industrial, medida pela razão entre o lucro líquido e o patrimônio líquido do setor. A margem de lucro líquida da indústria de transformação também caiu de 7,7% em 2009 para 2,6% em 2012, quando chegou a ser menor que a de 2008, que teve índice de 2,7%.
"As empresas ficaram com pouca gordura para queimar", diz Roriz, o que a torna mais vulnerável numa situação de desaceleração de produção. Se, pressionadas pelos credores, as empresas não conseguem realizar os pagamentos e manter produção, diz ele, a situação pode evoluir para um pedido de recuperação judicial. Nesse processo a companhia mantém a atividade e apresenta plano para retomada, com maior prazo para saldar os credores.
Para Gláucia Coelho, sócia da área de contencioso do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, um dos problemas é que as empresas brasileiras ainda esperam a situação chegar perto do limite para entrar com pedido de recuperação judicial, e aí pode ser tarde demais. "Às vezes a empresa faz o pedido quando o melhor seria entrar com requerimento de falência."
A advogada afirma que atende clientes de todos os setores de atividade, com algum destaque para o segmento industrial e também para o agronegócio, que é mais sazonal e dependente do clima, o que torna o setor mais vulnerável.
Um dos ramos que mais têm sofrido neste segmento é o sucroalcooleiro. Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), avalia que uma combinação de fatores levou as condições de solvência do setor a piorarem nos últimos anos. Como é uma atividade que exige elevado volume de investimentos, o aumento de custos, crédito mais escasso e a política de controle de preços da gasolina acabaram minando a competitividade do etanol, com efeitos negativos sobre o caixa das empresas.
O setor primário foi o único em que houve aumento dos pedidos de recuperação judicial entre janeiro e setembro, ao passar de 13 requerimentos neste período em 2013 para 26 em 2014. No total, foram 631 solicitações nos nove primeiros meses deste ano, 4,7% a menos do que em igual período do ano passado. Houve queda das requisições no comércio (-2,4%), indústria (-8,9%) e serviços (-7,5%).
Boa parte dessa redução, porém, ocorreu no início do ano, já que no período mais recente esses pedidos, feitos pelas próprias empresas na tentativa de se reerguer, voltaram a aumentar e subiram de 202 para 217, alta de 7,4% entre julho e setembro, em relação ao ano anterior. No período, as recuperações judiciais no comércio subiram 11,7%, alta um pouco maior que a de 11,1% observada no setor de serviços. Na indústria, os pedidos caíram 3,9% no período.
Mesmo com a queda, a indústria é o setor mais representativo nas recuperações judiciais do período, com 34,1% do total dos pedidos. Em seguida vem o setor de serviços, com 32,23%.
Clóvis Roberto de Freitas, advogado e administrador judicial da recuperação do grupo SudMetal, diz que as indústrias do setor metal mecânico tem sentido mais os efeitos do fraco desempenho do segmento automobilístico. Ele conta que acompanha cerca de dez casos de recuperação e as indústrias representam mais de 50%. Agora, diz ele, começam a surgir os casos no agronegócio. Para ele, caso o fenômeno se mantenha, as recuperações talvez cheguem ao setor de serviços, começando pelas empresas de logística.