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Plano de recuperação ilegal deve ser anulado antes mesmo da assembleia

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O processo de recuperação judicial tem difícil e relevantíssima missão: viabilizar a superação da crise da empresa, para que seja mantida a fonte produtora de riquezas, assim como os empregos dos trabalhadores, protegendo, ainda, os interesses dos credores. Somente com a conciliação desses, muitas vezes, antagônicos interesses, é que se pode dizer que a empresa estará apta a voltar a cumprir sua função social e estimular a economia, daí a necessidade de sua preservação.

A dinâmica empresarial está cada dia mais complexa, de modo que não há uma fórmula preconcebida de como a empresa buscará a sua recuperação, em vista a, como se disse, garantir a fonte produtora, os empregos e o direito dos credores, voltando, assim, a ser uma ferramenta ao desenvolvimento econômico sustentável, cumprindo sua função social.

Dentro do processo, a estratégia para soerguimento do negócio será formalizada por meio do plano de recuperação judicial a ser apresentado pelo devedor empresário, o qual conterá a “discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados”, a “demonstração de sua viabilidade econômica” e o “laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor” (artigo 53, da Lei 11.101/2005).

Deferida a inicial, abre-se o prazo de 60 dias para apresentação do plano de recuperação judicial. Noticiada sua chegada aos autos e publicada a relação de credores confeccionada pelo administrador judicial, abre-se prazo para que os credores, querendo, apresentem objeção.

O silêncio aqui é eloquente, de modo que, se ninguém objetar, o plano considera-se “aprovado” e segue para homologação judicial, após comprovação da regularidade fiscal (artigo 57, da Lei 11.101/2005). Caso contrário, é convocada assembleia-geral de credores, na forma do artigo 56, da Lei 11.101/2005. Se o plano for rejeitado pela assembleia o magistrado convolará a recuperação em falência (artigo 73, III, da Lei 11.101/2005)[1]. Já se o plano for aprovado pela assembleia de credores, da mesma forma, comprovada a regularidade fiscal, segue para homologação judicial.

Sendo bastante sintético este é o percurso que o plano de recuperação judicial segue desde sua chegada aos autos até eventual aprovação pela assembleia-geral de credores. Isso, pelo menos, tratando-se de plano de recuperação isento de irregularidades, em que eventual objeção versaria sobre a análise de viabilidade do empreendimento e da proposta comercial.

Em situação como esta, na qual o plano é livre de vícios, a assembleia-geral de credores é dita “soberana”, já que a ela competirá a deliberação a respeito da viabilidade da empresa e da proposta comercial apresentada. É nesse sentido, portanto, que se fala em “soberania da assembleia”. Ou seja, em princípio, é a assembleia-geral de credores a titular da competência para a constatação de viabilidade do empreendimento e da análise da proposta comercial.

Porém, o cenário muda quando o plano de recuperação judicial contém nulidades, pois o Judiciário não apenas está autorizado, como deve realizar o controle de legalidade do plano, pois não faz sentido conceber o plano como um ato jurídico imune ao controle pelo Judiciário. Em artigo publicado aqui mesmo na ConJur tratou-se mais detalhadamente a respeito da chamada “soberania da assembleia” e da possibilidade de controle judicial do plano[2].

Ou seja,  à assembleia compete a análise de viabilidade da empresa, assim como do conteúdo econômica do plano, já ao Judiciário o controle de sua validade. Sobre o controle judicial do plano, vale ainda destacar forte inclinação da jurisprudência pela possibilidade, inclusive, de as nulidades serem pronunciadas de ofício pelo Poder Judiciário[3].

Por isso tudo, pode-se firmar, sem dúvida, a seguinte premissa: plano de recuperação judicial que contenha nulidade, mais cedo ou mais tarde, tem destino certo, que é a declaração de sua invalidade, seja de ofício ou mediante requerimento, seja em primeiro grau de jurisdição ou em grau recursal.

Por isso, parece não somente possível, como também necessário, o que aqui se está a chamar de “controle prévio de validade do plano de recuperação judicial”, a ser feito antes mesmo da realização da assembleia de credores, preferencialmente tão logo ele chegue aos autos.

Caso o controle prévio não seja feito, o plano ilegal seguirá o curso acima descrito. Após sua apresentação o próximo passo será a publicação de edital para a abertura de prazo para apresentação de objeção. Feita objeção — e a tendência é a de que um plano ilegal sofra mais de uma objeção — é convocada a assembleia-geral de credores, a qual pode resultar na aprovação do viciado plano de recuperação. Comprovada a regularidade fiscal, o processo caminhará para a homologação judicial, a qual não poderá ser feita, pois o ato de homologação corresponde ao reconhecimento de validade do plano e do todo o procedimento até então.

Com a invalidação do plano, tem sido determinado ao devedor o seu refazimento. Ou seja, após o reconhecimento da irregularidade contida no plano, o processo volta praticamente ao início, com nova publicação de editais, prazo para objeção, convocação da assembleia etc.

Dessa forma, é visível que a futura e certa declaração de nulidade do plano de recuperação judicial prejudicará todos os envolvidos: credores, devedor, administrador judicial e o próprio Judiciário, a quem compete zelar pelo bom andamento do feito, já que a razoável duração do processo e a celeridade processual são direitos e garantias fundamentais, conforme previsto no inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição.

Isso, sem contar que perpetuar o andamento do feito é impor restrição demasiada aos credores, já que muitas vezes há a prorrogação do prazo de moratória, que em princípio seria de 180 dias.

Respeitando o devido processo legal, deve-se, dessa forma, imprimir celeridade ao processo de recuperação judicial. Devedor precisa imediatamente iniciar sua estratégia de reestruturação, credores e empregados necessitam de definição em relação a seus créditos e postos de trabalho e o Judiciário tem interesse em descongestionar sua tão sobrecarregada pauta de trabalho.

Não bastasse tudo isso, outro argumento serve para sustentar a tese de controle prévio: a assembleia-geral de credores não é um órgão técnico-jurídico, sequer exige-se capacidade postulatória para nela se fazer presente. Ou seja, ela não tem, em princípio, aptidão para fazer o controle de legalidade do plano. Eventualmente credores podem até questionar disposições do plano, entretanto não têm eles, nem o administrador judicial que preside a assembleia, competência jurídica para declarar a nulidade do plano.

A assembleia-geral não foi concebida para fazer de controle de validade do plano, pois, se assim o fosse, os credores deveriam se fazer representar por advogados, inclusive o próprio administrador judicial, caso não fosse advogado, deveria estar assessorado por um. Além disso, se fosse dado à assembleia a realização de controle de validade do plano seria ela presidida pelo magistrado da causa e não pelo administrador judicial, já que presidida pelo magistrado, seria possível realizar o controle ao longo da própria assembleia. Entretanto, esta não foi a opção da Lei 11.101/2005.

Por isso tudo, é que se defende não ser apenas possível, mas exigível, que o plano de recuperação judicial que contenha nulidade seja controlado pelo magistrado da causa tão logo chegue aos autos, de ofício ou mediante provocação.

 

Autor(a)
Henrique Cavalheiro Ricci

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