Discutidas há nove anos, as obras planejadas para o entorno da Arena do Grêmio, na zona norte de Porto Alegre, podem não sair do papel conforme o previsto.
A prefeitura da Capital, a pedido da empresa encarregada das intervenções, aceitou uma redução no número e na dimensão dos projetos exigidos como compensação pelo impacto da construção do estádio e das torres residenciais na região. Esse recuo se deve ao fato de que outros investimentos privados esperados para o local, como hotel, shopping e centro de eventos, não serão feitos. Assim, o município entendeu que seria razoável exigir menos contrapartidas. O Ministério Público, que acompanha o caso e deverá se posicionar sobre as negociações, informou que só se manifestará depois de informado oficialmente a respeito das novas tratativas — o que ainda não ocorreu.
O aval da prefeitura à nova proposta foi dado em um documento de 12 de junho, assinado em conjunto pelas secretarias de Desenvolvimento Econômico, Infraestrutura e Mobilidade, Escritório de Licenciamento e Procuradoria-Geral. Entre as iniciativas de mobilidade urbana que deixariam de ser realizadas no entorno do estádio, que disputa com o Beira-Rio a oportunidade de receber jogos da Copa América 2019, estão prolongamentos das avenidas A.J. Renner e Voluntários da Pátria — que deveriam se interligar pelo plano original —, interseções da A.J. Renner com a Farrapos e com a Dona Teodora e a construção de um terminal de ônibus, entre outras melhorias.
Em vez de oito obras principais de mobilidade (veja lista abaixo), seriam feitas apenas três obras viárias. Além disso, os empreendedores ergueriam um novo posto para a Brigada Militar, custeariam até R$ 6 milhões em desapropriações e fariam a desobstrução de uma rede de drenagem.
— Houve uma diminuição no escopo das obras até porque, pelo que nos foi informado, não vão mais fazer todo o empreendimento que chegou a ser previsto. Isso foi acordado com o município, que passou a contar com 45 dias (desde a semana passada) para analisar os projetos elaborados pelos empreendedores — sustenta o procurador-geral adjunto do município, Nelson Marisco.
A obrigação de fazer melhorias no entorno da Arena era originalmente da OAS, empreiteira responsável pela construção do estádio que entrou em recuperação judicial na esteira da Operação Lava-Jato. Como resultado, desde 2015 as intervenções na área foram interrompidas. A prefeitura havia tentado assumir a responsabilidade por fazer as obras complementares, mas o Ministério Público considerou que isso representaria um prejuízo injustificável aos cofres público. Como o impasse impede a concessão de Habite-se para cinco das sete torres residenciais construídas junto ao estádio, a Karagounis, responsável pela construção e comercialização dos apartamentos, se dispôs a fazer as melhorias para destravar as licenças municipais pendentes.
As compensações anteriores estavam estimadas em cerca de R$ 160 milhões. Como o novo orçamento ainda está sob análise do município, nem a empresa, nem a prefeitura divulgaram qual seria o valor atualizado. Em nota, a Karagounis informa que "a proposta apresentada ao Ministério Público e ao município já considera a redução das contrapartidas proporcional ao impacto dos empreendimentos já realizados e aqueles que ainda serão construídos. Vale ressaltar que na seleção das obras que compõem o escopo do novo acordo, a Karagounis e o município empenharam-se em selecionar aquelas que mais beneficiarão a infraestrutura e os moradores da região".
O acordo
O que ainda será feito
1. Execução da pista esquerda (trecho a duplicar) da Avenida A.J. Renner no trecho entre a Rua Dona Teodora e a rotatória com a Avenida Padre Leopoldo Brentano e a Rua José Pedro Boéssio - com implantação de infraestrutura, água, esgoto e estação de bombeamento, recapeamento da pista direita da A.J. Renner e implantação de ciclovia
2. Ampliação da Avenida Padre Leopoldo Brentano, com redes de água e esgoto
3. Reformulação da rotatória da A.J. Renner com a Padre Leopoldo Brentano e a Rua José Pedro Boéssio
4. Construção de posto da Brigada Militar para realocação da sede do 11º Batalhão de Polícia Militar em terreno a ser disponibilizado pelo município ou pelo Estado (o 11º BPM está provisoriamente localizado em área da Karagounis Participações SA que deverá ser utilizado no futuro para um empreendimento imobiliário).
5. Custeio, limitado a R$ 6 milhões, das desapropriações e desocupações necessárias à duplicação da Avenida A.J. Renner
6. Realização de um procedimento de limpeza para desobstrução da rede coletora de água pluvial de macrodrenagem situada ao longo da Rua Padre Blassio Voguel e proximidades. Essa rede coletora responde pela drenagem de parte significativa das microbacias atendidas pela drenagem da Avenida A.J. Renner.
Obras substituídas
1. Interseção da Avenida Farrapos com A.J Renner, que ligaria a pista Centro-bairro da Farrapos com a pista Centro-bairro da A.J. Renner. Essa iniciativa seria substituída pelo custeio de até R$ 6 milhões em desapropriações e pela desobstrução da rede de drenagem na região.
2. Construção de terminal de ônibus, nas proximidades da Arena do Grêmio, que teria 7,7 mil metros quadrados, 27 vagas para ônibus, área de circulação de pedestres e veículos, prédio administrativo com 60 metros quadrados, área de manobras e parada coberta com capacidade para três veículos. Essa iniciativa seria substituída pelo custeio de até R$ 6 milhões em desapropriações e pela desobstrução da rede de drenagem na região.
O que foi retirado do acordo
1. Execução de interseção da A.J. Renner com a Dona Teodora, incluindo acessos para conversão à esquerda
2. Execução do trecho III da Avenida Voluntários da Pátria, que seria implantado entre a Rua 01 e o prolongamento da Avenida A.J. Renner
3. Construção de uma uma Unidade de Triagem com cerca de 2,7 mil metros quadrados em área próxima ao centro de triagem existente na Avenida Frederico Mentz, 1.167
4. Construção de Centro Cultural na Avenida Frederico Mentz, esquina com Rua Bambas da Orgia
5. Reforma e ampliação das sedes da Associação das Creches Beneficentes do Estado (no bairro Vila Farrapos) e da Associação Beneficente Comunitária do Conjunto Residencial Mario Quintana (bairro Mario Quintana)
6. Disponibilização de espaço físico na Arena do Grêmio para divulgação e comercialização de produtos fabricados por entidades sociais da região
Obras e obrigações já realizadas
1. Execução da Rua Airton Ferreira da Silva no entorno da Arena do Grêmio
2. Execução da Avenida Gilberto Lehnen, anteriormente denominada "Avenida 2122", correspondente a um prolongamento da Avenida A.J. Renner
3. Construção da Escola Estadual Oswaldo Vergara
4. Construção de salas na Escola Estadual Danilo Zaffari
5. Construção de salas na Escola Estadual Carlos Fagundes de Melo
6. Reforma e construção da Associação Vila Tecnológica
7. Construção da sede da Associação de Moradores do Bairro Humaitá
8. Reforma da Creche Comunitária da Vila Progresso
9. Pagamento de compensação ambiental
10. Compartilhamento de vagas de estacionamento com o estádio Arena do Grêmio
Nove anos de impasses
2009
A OAS apresenta estudo de impacto ambiental no qual lista intervenções necessárias para amenizar os efeitos do complexo da Arena do Grêmio. A construtora se responsabiliza pela maior parte das obras, como pavimentação e ampliação de vias. Inicialmente, o complexo previa estádio, prédios residenciais, shopping, hotel e centro de eventos.
Abril de 2012
Assinado Termo de Compromisso pelo qual a prefeitura assume obrigações por obras no entorno da Arena - destinadas a mitigar ou compensar o impacto do empreendimento na região - que originalmente caberiam à OAS.
Outubro de 2013
A Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público do MP Estadual e o Ministério Público de Contas expedem uma recomendação à prefeitura para que a prefeitura não aplique recursos públicos nas obras de mobilidade junto à Arena.
Dezembro de 2014
Pressionada pelo Ministério Público, a prefeitura decide revogar o documento pelo qual assumia a responsabilidade pelas melhorias. A prefeitura abre mão de 30% das melhorias que seriam realizadas para facilitar um acordo com a construtora.
Outubro de 2015
A construtora OAS, alvo da Operação Lava-Jato e em crise financeira que a levaria a ingressar com pedido de recuperação judicial, deixa de cumprir suas obrigações, e as obras em andamento no Humaitá são suspensas.
Janeiro de 2016
Com as obras paradas, a prefeitura decide suspender a emissão de Habite-se para o complexo de prédios residenciais que a OAS ergueu ao lado da Arena.
Março de 2017
O Tribunal de Justiça atende a pedido do MP em ação civil pública e proíbe a prefeitura de expedir o Habite-se para cinco torres do condomínio residencial na Arena. Outras duas torres já haviam obtido o documento. A empresa Karagounis Participações, responsável pelo empreendimento imobiliário, entra nas negociações.
Junho de 2018
Ganha respaldo oficial da prefeitura um acordo com a Karagounis para alterar o conjunto de obras a serem feitas no entorno da Arena. Como o complexo originalmente previsto - com hotel, shopping e centro de eventos - não será mais feito, a ideia é reduzir a quantidade de obras viárias. O MP ainda deverá se pronunciar formalmente sobre essas tratativas.