A crise econômica que o Brasil atravessa tem causas multifacetárias. Duas delas, contudo, merecem destaque especial: (i) o agigantamento do Estado brasileiro, cujos tentáculos, diretos ou indiretos, se fazem presentes em todos os setores da economia; e (ii) a flexibilidade ética de servidores públicos e empresários, resultando em uma relação promíscua entre governo e seus apadrinhados da iniciativa privada. Isso, evidentemente, traz reflexos nas mais diversas searas, repercutindo, muitas vezes, em processos de recuperação judicial, especialmente em momentos como o que atravessa oPaís.
A crise e o sucesso de um empreendimento representam corolários de um complexo temperamento entre utilização do crédito e assunção de riscos. Se a utilização do primeiro constitui o oxigênio da economia, fator indispensável para o seu desenvolvimento, lidar com o segundo elemento é inerente à atividade empresarial. Entre nós, a Lei nº 11.101/05 regula a reorganização da empresa viável (por meio da recuperação judicial e extrajudicial) e a liquidação da empresa inviável (por meio da falência). E particularmente no que tange à recuperação de empresas, embora a redação do caput do art. 49 refira que se sujeitam à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, são excluídos de sua abrangência uma série de créditos, estabelecendo algumas salvaguardas para que tais credores não sejam prejudicados durante a busca pelo soerguimento do devedor.
O art. 6º, §7º, determina que “As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”. O art. 57, por seu turno, estabelece que, na recuperação judicial, após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia de credores ou decorridos trinta dias após a apresentação do plano sem objeção, o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários, conforme previsto no CTN. Percebe-se, pois, que de acordo com a Lei nº 11.101/05, uma das condições para a concessão da recuperação judicial é a apresentação de prova da regularidade fiscal do devedor – o que, na prática, normalmente é inviável. Nesse sentido, como bem se sabe, os tribunais vinham corretamente mitigando a aplicação dessa regra até a edição de lei especial para o parcelamento dos débitos tributários para empresas em recuperação, amparando-se no princípio da preservação da empresa.
Ocorre que mesmo após a Lei nº 13.043/14 – que trouxe a possibilidade de parcelamento de débitos fiscais em até 84 meses – o Judiciário permaneceu, majoritariamente, concedendo a recuperação judicial independentemente da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais, mantendo o entendimento de que o exíguo prazo legal concedido prejudicaria a ascensão do devedor.
Embora, é claro, não se possa deixar de lado o tratamento legal dos débitos fiscais, de fato a lei não foi razoável na concessão do prazo de parcelamento, que não condiz com a realidade de uma recuperanda. Não raro, as dívidas mais vultosas dessas empresas são justamente as tributárias, que em sua maioria não podem ser quitadas em meras 84 parcelas sem que sejam comprometidos o pagamento de outros credores e a continuidade do negócio. Com o advento da Lei nº 13.043/14, o julgador, ao decidir pela concessão da recuperação judicial, se depara com a necessidade de selecionar uma alternativa – a preservação da empresa ou a estruturação dos débitos tributários – sabendo que a opção por uma delas pode, em muitos casos, inviabilizar a outra.
Como se não bastasse tal desproporcionalidade do tratamento dispensado ao Fisco, a lei, entre outras deficiências, também condiciona a adesão ao “benefício” à renúncia expressa e irrevogável a qualquer medida, administrativa ou judicial, por meio da qual se possa discutir os débitos tributários (ainda que haja algumas hipóteses de exceção à tal renúncia). Isso significa que, no atual regime, para obter a recuperação judicial, a empresa é submetida a condições excessivamente penosas, satisfazendo os interesses de um único credor, que sequer está submetido ao plano recuperacional.
Assim, é latente a necessidade de o Congresso Nacional aprimorar as condições do parcelamento ou, alternativamente, reduzir a asfixiante carga tributária que incide sobre nossa sociedade – o que, infelizmente, não parece ser a escolha adotada diante do contexto político atual. Como a velocidade da economia não aguarda a morosidade legislativa (ou como diria o Barão de Itararé – “[d]e onde menos se espera, daí é que não sai nada”), a melhor alternativa é saudar e estimular decisões judiciais que temperem o princípio da preservação da empresa (viável) com a possibilidade de reestruturar o passivo fiscal.
21/11/2017