Mais vale uma empresa em dificuldade que mantém seu funcionamento e tenta superar o momento de crise do que uma em processo de falência.
Esse princípio da manutenção da companhia, que rege a nova Lei de Falências e trouxe novos artifícios para que essa intenção fosse colocada em prática, já estava presente nos tribunais antes mesmo da promulgação da lei em 2005.
A constatação é resultado de uma pesquisa desenvolvida para a tese de doutorado da advogada e professora da Direito GV, Ligia Paula Pires Pinto Sica. A professora analisou 72 decisões que levantavam a questão sobre a preservação da empresa - considerando todas as regiões do país e tribunais superiores - e em 73% delas os juízes foram favoráveis à continuidade das atividades.
Os acórdãos selecionados tratam de decisões do período de 1996 a 2007. Para levar em consideração, no entanto, a preservação da empresa antes da vigência da nova lei, muitos dos magistrados tiveram que "flexibilizar" a interpretação da norma vigente na época, um decreto de 1945, como afirma a pesquisadora.
Em alguns casos, esses juízes ainda se valiam de outras normas, como a lei de protestos de títulos, entre outras, para obter mais subsídios nas suas decisões, pois a antiga lei já não condizia com a realidade dessas empresas. No período, muitos pedidos de falência então foram negados porque o juiz entendeu que se tratava mais de uma ação de cobrança - que teria que passar por uma ação de execução - do que um pedido de falência propriamente dito. "Alguns fornecedores entram na Justiça pedindo a falência de uma empresa por conta de uma dívida pontual, o que não seria o caso, e que tem sido afastado pelos juízes", afirma.
Outros também foram negados em razão dos valores ínfimos envolvidos. Até porque, segundo o levantamento, apenas 10% dos processos apresentavam valor da causa superior a R$ 20 mil - valor aproximado estipulado na nova lei como o mínimo para um pedido de recuperação judicial. Entre os casos em que foi afastado o pedido pelo valor envolvido está uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) em que foi pedida a falência de uma empresa devedora de R$ 2,6 mil. Também há situações em que o próprio juiz indicou que a empresa ainda poderia ter uma recuperação, como em um outro caso decidido pelo tribunal catarinense. A própria corte indicou a concordata - alternativa existente na antiga lei - como solução para o caso. Porém, muitos desses problemas enfrentados pelos juízes, em que a antiga lei de falências não oferecia alternativas, foram solucionados com a redação da nova Lei de Falências, na opinião de Ligia Pinto. A partir disso, passou a ficar mais claro que o objetivo principal da recuperação judicial é manter a unidade produtora, até para que sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores, como versa o artigo 47 da norma.
Outra evolução da nova lei, na sua opinião, seria a estipulação de um valor mínimo de débito para que se possa entrar com o pedido de falência - estipulado, no artigo 94, em 40 salários mínimos, cerca R$ de 20 mil. Nesse ponto, porém, a professora faz uma ressalva ao destacar que esses valores mínimos poderiam ser distintos de acordo com o porte da empresa. Isso porque, para uma empresa de grande porte, um valor de dívida que poderia ser considerado insignificante poderia ser bem superior a esse limite.
E, por último, o ponto que ela considera de grande evolução da lei é a possibilidade de uma recuperação extrajudicial. "Essa via pode ser menos onerosa, mais célere e estar ao alcance de empresas de todos os portes. Além de possibilitar uma maior flexibilidade na elaboração do plano", afirma.
Autor: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico (30/04/2009)