"As companhias precisam ter em mente e aceitar que os tempos mudam", afirma Marco Geovanne, diretor da Previ
A volatilidade do cenário macroeconômico e do ambiente de negócios no Brasil e no exterior levou a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a recomendar às companhias em que investe a preservar caixa. "Com tantas incertezas e mudanças de cenário, não dá para falar em investimento. A hora é de preservar caixa", afirma Marco Geovanne, diretor de participações da Previ.
As incertezas de que fala não se referem somente ao Brasil, mas da necessidade de inserção global e da percepção de que os cenários mudam frequentemente. Um exemplo que Geovanne destaca é o da Vale, que pode ter tomado decisões olhando apenas o curto prazo. No auge do ciclo das commodities, diz, o dinheiro para a companhia entrava muito fácil. A empresa quis crescer, foi às compras até chegar a um capex (investimentos na operação) de R$ 22 bilhões.
"O ciclo do minério mudou, caiu o preço e não há mais caixa para sustentar isso. Então a Vale teve de se reavaliar e notou que os investimentos para expansão não melhoraram seu Ebitda. Muitos projetos foram iniciados, mas não foram terminados ou não deram a expectativa de caixa que se queria", avalia Geovanne. A nova gestão, diz, está fazendo um trabalho disciplinado para adequar a empresa à nova conjuntura. "As companhias precisam ter em mente e aceitar que os tempos mudam. Ter um olhar mais amplo e menos focado no curto prazo", diz.
O mesmo raciocínio de atenção à instabilidade também virou realidade para o setor elétrico, em que o fundo investe em CPFL e Neoenergia, entre outras. "O segmento era um reloginho, mas agora ficou pouco previsível. Primeira coisa que falamos foi: vamos apertar os cintos, reduzir o ritmo e fasear os investimentos. Porque agora tudo tem de estar no lugar. Não pode ter aumento de inadimplência, não podemos deixar de cobrar as contas, porque tudo isso é caixa que entra ou deixa de entrar", afirma.
A Previ fez esta semana seu tradicional encontro anual de governança no Rio. O tema escolhido para debater com agentes de mercado foi a perenidade das empresas. "A discussão é relevante porque há uma percepção de que as crises encurtaram, são mais frequentes e agudas, talvez como um reflexo da modernidade", diz Geovanne. Nesse sentido, é fundamental avaliar os caminhos de empresas que conseguem sobreviver com sucesso a solavancos. Dentro de sua carteira, ele cita como exemplos Kepler Weber e Tupy que, segundo ele, passaram por sérias turbulências e por pouco não sumiram. Para elas, diz, foi fundamental para a virada dos negócios o apoio de acionistas e credores e mudanças na gestão.
Nesse cenário em que as companhias estão mais devagar, o ambiente é volátil, é preciso saber até que ponto diretores e conselheiros estão atentos a isso. "O momento é de questionar se um investimento vale ou não vale a pena, pois se não for bem realizado poderá levar a um constrangimento de caixa, a um endividamento maior lá na frente e que pode colocar em risco a saúde da companhia", afirma.
Principal fundo de pensão do país e também importante investidor da bolsa, a Previ tem patrimônio de R$ 165,5 bilhões, quase 60% investido em renda variável. A Previ, relata Geovanne, paga cerca de R$ 9 bilhões por ano em benefícios. Perto de 40% desse valor vem de dividendos que recebe.
"Vivemos um desaquecimento da economia, os resultados tendem a enfraquecer e os dividendos, a cair. Mas o compromisso do fundo com o beneficiário continua. Temos de proteger nossos investimentos e a melhor forma de fazer isso é trabalhar pela perenidade das companhias", diz.
Geovanne acredita que ambientes mais desafiadores para os negócios como o atual tendem a unir os acionistas, executivos e investidores pela companhia. "Um diálogo entre todos é cada vez mais relevante", diz. Mas ele alerta também para a necessidade de os conselhos de administração abrirem um canal de comunicação com os acionistas.
Para Geovanne, muitas vezes os acionistas não têm ideia do que se passa nos conselhos. "A Previ tem um peso maior e se eu quiser saber o que está acontecendo, vou lá e pergunto. Mas existem outros acionistas que não vão conseguir fazer isso."
Apesar de a Previ sempre levantar a bandeira da governança, precisou conviver este ano com algumas de suas empresas investidas protagonizando casos mais ruidosos de falhas de controles e transparência. A Oi deparou-se com um rombo de € 897 milhões em seu caixa por conta de uma aplicação da sócia Portugal Telecom em uma parte relacionada à beira da recuperação judicial. Na Forjas Taurus, os minoritários questionaram um processo nebuloso de venda de uma empresa e acabaram diluídos depois que o controlador agiu para mudar o conselho e trazer um novo sócio para a empresa.
"São casos inacreditáveis. Mas aqui o que existe é um problema ético. Nenhuma diligência sozinha evitaria isso. As pessoas têm de mudar seus valores. Isso vale para empresas, famílias, país e para a nossa sociedade", afirma.
No caso da ALL, o diretor da Previ reconhece falha de seus conselheiros. Segundo ele conta, os diretores da ALL, à revelia do conselho, assinaram contrato com a Rumo que era um casamento eterno e que previa multas monstruosas para a ALL. Pode até ser, diz, que naquele momento o contrato poderia fazer sentido, no entanto, faltou pensar no longo prazo.
"Nossos conselheiros não prestaram atenção nesse contrato. Demoramos quatro anos para perceber. Nós brigamos, esperneamos, mas ao final vimos que a fusão [com a Rumo] era o melhor caminho para o futuro da companhia."
Apesar de reconhecer a falha, Geovanne também encontra um problema ético na ALL. "Havia, na ALL, um desalinhamento de interesses, uma vez que o esquema de remuneração dos executivos era ligado ao curto prazo", diz. Os salários dos executivos no Brasil são outro tema relevante para discussão sobre a perenidade das companhias, avalia Geovanne.
Por aqui, ele diz, mais da metade do salário que recebem é fixa, enquanto lá fora fica entre 20% ou 30%, sendo o restante variável em função do desempenho. "Dificilmente você atrai um executivo no Brasil se não oferecer um bom salário fixo. É uma questão cultural, porque ele 'tem de estar tranquilo'. Mas, na verdade, ele não tem de estar tranquilo, ele tem de estar atento e cuidando da empresa, que nunca estará num céu de brigadeiro", diz.
Geovanne, acredita que o mercado brasileiro precisa discutir até que ponto a "culpa" por algumas decisões de administradores de empresas que privilegiam o curto prazo pode ser atribuída também ao próprio investidor. "Existe o investidor que cobra o resultado trimestral, que não está preocupado no longo prazo", diz. Segundo ele, essa pressão pode favorecer decisões não tão prudentes na companhia e que colocam em risco a sua existência. "É papel do conselho também atuar nesse tipo de situação. Peitar o mercado e falar 'não é assim, você quer esse tipo de caminho porque daqui a dois anos você sai desse investimento. Mas nós temos compromissos com funcionários, fornecedores'."