O agravamento da crise econômica traz reflexos para o setor empresarial privado, que viu num curto período a redução do faturamento, do acesso ao crédito, do emprego e do consumo, com consequente empobrecimento e diminuição na geração e circulação de riqueza.
Com índices ruins e quedas bruscas que desmontam qualquer previsão, as empresas cada vez mais vêm recorrendo à recuperação judicial, cujos pedidos aumentaram 116% no último ano.
A Lei de Recuperação de Empresas (11.101/2005) traz alternativas, principalmente por prever: a elaboração do plano de recuperação, com proposta de pagamento dos credores, e a aproximação de credor e devedor, dando a estes oportunidade de negociar sem a interferência do Judiciário. Assim, um plano consistente preparado junto com os credores é uma poderosa ferramenta para as sociedades em crise, que podem reinventar seu negócio e retomar a sustentabilidade financeira.
Se devedor, credores e tribunais fazem sua parte para viabilizar a recuperação, o mesmo não se pode dizer das autoridades financeiras
Aprovado o plano, o desafio da empresa é dar-lhe cumprimento e, para tanto, precisará de crédito. Por isso, a lei e os planos trazem incentivos aos que concedem crédito às recuperandas, como a posição de credor extraconcursal na eventual falência e a possibilidade de melhora no pagamento dos créditos sujeitos à recuperação.
No entanto, se devedor, credores e tribunais fazem sua parte para viabilizar a recuperação das empresas, o mesmo não se pode dizer das autoridades financeiras. Ainda que a aprovação do plano signifique uma situação extremamente controlada e uma melhor estrutura de capital, a regulação do CMN e do BC simplesmente desconsidera tudo isso, determinando a redução do rating da empresa em recuperação. Isso, na prática, inviabiliza a operação financeira para o banco.
O rating bancário foi criado em razão da preocupação da comunidade financeira internacional com as crises, sendo o Comitê da Basileia responsável por editar normas para a segurança do sistema financeiro mundial, dentre as quais, a que prevê a classificação do risco de crédito em uma escala do menor para o maior (AA até H).
Assim, para classificar o crédito, as instituições devem observar os números das empresas, balanços, capacidade produtiva, dentre outros aspectos. Classificado o crédito, o banco, ao emprestar o dinheiro, deve provisionar no BC um percentual sobre o valor emprestado. No Brasil, para o crédito classificado como AA o depósito compulsório é zero e para o crédito classificado como H o percentual é de 100%.
Seguindo a Resolução CMN nº 2.682/1999 (e também a Circular BC nº 3.648/2013), as instituições financeiras, em tese, devem classificar o crédito para empresas com plano de recuperação aprovado como H. Isso obriga os bancos a provisionar 100% do valor emprestado como garantia da operação, causando desinteresse, já que o valor depositado compulsoriamente rende menos do que se fosse colocado no mercado.
Além disso, considerando-se que a lei determina que o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende por 180 dias todas as ações contra o devedor, a reclassificação dos créditos pelo rating mínimo acaba sendo exigida desde o momento do deferimento.
Assim, um dos pontos que deveriam ser melhorados é que o BC pode normatizar no sentido de que esta suspensão prevista pelo art. 6º, § 4º da Lei de Recuperação de Empresas seja interpretada como um acordo de inação com o devedor para que os créditos não sejam executados (standstill de pagamentos) ou como uma prorrogação das parcelas vincendas durante este período. Com isso, os bancos credores reestruturariam a dívida sem sofrer prejuízo maior e reduziriam as necessidades de provisionamento.
O interessante é que, se a mesma empresa renegociasse seu crédito fora da recuperação, nos mesmos termos, mas em ambiente menos seguro que o Judiciário, teria o seu "rating" melhorado. Se a intenção das normas internacionais é que se avalie o risco do crédito para se evitarem problemas no mercado em caso de inadimplência, mais seguro seria avaliar o risco da sociedade com plano aprovado e reclassificar o crédito.
Parece incorreta, ou no mínimo incoerente, a norma do CMN que mantém a empresa com plano aprovado classificada como H, quando para as instituições financeiras seria mais seguro classificar esse crédito após o plano de recuperação aprovado ou com a recuperação judicial em curso do que durante a crise pré-recuperação. Ainda mais porque não se autoriza a reversão do percentual de provisão para incentivar o crédito novo, ainda que haja renegociação ou novação por meio da aprovação do plano.
Vale lembrar que o crédito é um insumo para a atividade produtiva e em outros países signatários dos acordos da Basileia as empresas em recuperação têm seu crédito reclassificado atendendo às exigências legais, à segurança do mercado e, principalmente, ao princípio basilar da função social da empresa.
Portanto, a alteração das normas regulatórias para determinar que o rating das empresas com plano aprovado seja calculado de acordo com parâmetros de mercado, seria medida importantíssima para aquecer o mercado de dip financing e dar mais acesso a dinheiro novo às empresas que procuram se recuperar, dando concretude ao princípio da preservação da empresa. Cabe ao CMN, BC e ao Poder Executivo deixar de lado a miopia que os ataca e dar também sua contribuição para que as empresas se recuperem e o país saia da crise.
Ivo Waisberg e João Roberto Ferreira Franco são, respectivamente, professor de direito comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), livre docente em direito comercial; professor de direito na Uniesp, especialista em direito comercial e direito processual civil pela PUC, mestrando em direito comercial pela PUC-SP e advogados em São Paulo
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