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Quase 90% dos Fiagros amargam desvalorização neste ano

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Momento mais difícil para o agronegócio afeta fundos que financiam setor

05/06/2024

 

Os Fiagros, como são chamados os fundos de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais, passam por questionamentos no mercado, à medida que o agronegócio enfrenta desafios com a queda do preço das commodities e o aumento de custos. Essa equação tem levado a um crescimento expressivo de pedidos de recuperação judicial no setor, e o reflexo se vê na queda em massa dos ativos.

Segundo levantamento feito pela Bloxs Capital Partners a pedido do Valor, até aqui 88% dos Fiagros estão com desempenho negativo no mercado secundário, ou seja, tiveram queda no valor de mercado no acumulado deste ano. Na média ponderada, a queda desses ativos é de 8,48%.

Grande parte dos Fiagros são compostos por certificados de recebíveis agrícolas (CRAs) de produtores rurais ou de empresas ligadas ao setor, como cooperativas, revendedores de insumos, frigoríficos e indústria de laticínios. São nomes distantes dos já conhecidos pelo mercado, como as grandes corporações do agro de capital aberto. Com a crise financeira em algumas empresas do segmento, CRAs que compõem alguns dos Fiagros estão inadimplentes, como o Mitre, após a recuperação judicial do grupo Elisa Agro, da família Mitre. Outro caso é o do Três Irmãos, que enfrenta problemas para seguir com os pagamentos após o pedido de proteção contra os credores pela Agropecuária Três Irmãos Bergamasco.

 

Calotes

 

Os calotes, com isso, já chegaram à maior parte dos fundos. O estudo feito pela Bloxs mostra que, de 27 Fiagros, apenas sete não têm operações em situação de default, atraso de pagamentos ou com “waiver”, quando se negocia um “perdão”. Por outro lado, aponta o levantamento, as posições de inadimplência correspondem a apenas 2% do patrimônio desses Fiagros, que somam R$ 9,9 bilhões. O levantamento desconsiderou os fundos pouco negociados e os exclusivos, com pouco cotistas. Também ficaram de fora os listados mais recentemente, o que dificultaria uma comparação.

Hoje, são no total 36 Fiagros negociados na bolsa brasileira - eram 26 no início do ano passado. Para se ter uma ideia da rápida expansão, eram apenas nove no início de 2022. As pessoas físicas respondem por 93% desse produto, ainda segundo dados da B3. Somando todos os Fiagros listados, o patrimônio atualmente é de R$ 14,5 bilhões.

Segundo o líder de crédito corporativo da Bloxs, Guilherme Sharovsky, o atual momento servirá para um maior entendimento sobre o produto, que ainda é novo no país. Para ele, os problemas que apareceram também jogaram os holofotes sobre a falta de conhecimento da própria Faria Lima - avenida de São Paulo que é o centro financeiro do país - sobre o funcionamento do agronegócio.

Vendas represadas

 

É comum, por exemplo, que produtores rurais segurem seus estoques em momentos de preços mais baixos, para, então, vendê-los posteriormente em melhores condições. Isso não significa que, ao não pagar os juros, os produtores estejam em situação financeira delicada, como é o caso em outros setores. Essa dinâmica própria também tem afetado o preço desses papéis no mercado secundário, que é aquele em que se negociam os títulos antes de seus vencimentos.

“Essa não é uma decisão de má governança, mas os investidores de mercado de capitais estão menos acostumados. Para o produtor rural, ao trabalhar dessa forma, se tem maior resultado, mas ele não está acostumado com a Faria Lima, e a Faria Lima está menos acostumada com o produtor rural”, afirma Sharovsky.

O executivo ressalta que, tradicionalmente, esses produtores têm o costume de renegociar os financiamentos. Ele lembra ainda que se trata se um produto “high yield” - com risco e potencial de retorno mais elevados.

Para tatear um solo mais conhecido, na Capitânia Investimentos a decisão foi de não financiar diretamente os produtores rurais, mas subsetores. O objetivo é não só evitar a maior volatilidade, mas também conseguir aproveitar a experiência da casa em seus investimentos. “Buscamos algum ativo um pouco mais comparável”, afirma o sócio da gestora, Arturo Profili, citando como exemplo produtores de laticínios.

Segundo ele, o perfil dos Fiagros é muito heterogêneo e hoje a gestora tem olhado com lupa esses fundos listados para buscar oportunidades de investimento. Isso pode ocorrer, segundo Profili, quando Fiagros acabam caindo de forma exagerada, abrindo uma boa porta de entrada.

O executivo da Capitânia acredita que a indústria de Fiagros deverá percorrer o mesmo caminho que a dos fundos imobiliários há dez anos, que também tiveram, na época, de ganhar mais maturidade. O gestor afirma que o melhor para o investidor é ter uma carteira de Fiagros diversificada, o que vai amenizar algum problema pontual.

Para Sharovsky, da Bloxs, os casos de recuperação judicial e a dificuldade de alguns fundos de executar garantias por conta do entendimento do Judiciário de que as fazendas são bens essenciais para a atividade da empresa são questões pontuais, mais localizadas em alguns Estados. Segundo ele, isso também faz parte do processo do aprendizagem e muitos gestores estão buscando outras garantias, como imóveis não operacionais e bens logísticos.

O CIO da Suno Asset, Vitor Duarte, lembra que os primeiros Fiagros foram lançados em um momento de juros mais baixos, sendo que os empréstimos ao setor são atrelados ao CDI. Naquele momento, segundo ele, o agro estava vivendo um ciclo positivo, algo que mudou ao longo dos últimos dois anos, com custos subindo e preço das commodities caindo. Segundo ele, alguns Fiagros deram crédito a produtores que já estavam alavancados e, com as margens caindo, os problemas começaram a aparecer. Ao mesmo tempo, o contexto macro mudou rapidamente, com o juro subindo e o ciclo do agro se invertendo, afetando diretamente o setor.

Duarte diz, ainda, que houve muita procura por parte de pessoas físicas, inclusive investidores novatos e próximos ao agronegócio, muitos dos quais nem tinham conta em corretora. A queda generalizada, que afetou também os fundos, se deve, segundo ele, à recomendação de instituições financeiras para redução de exposição ao agro. “Para o investidor que consegue separar o joio do trigo, pode ser um bom momento de entrada”, diz.

Para Cristian Lara, sócio da Strategi, especializada em investimentos em empresas que passam por alguma dificuldade, houve uma enxurrada de Fiagros no mercado, uma resposta ao forte fluxo de recursos em produtos com isenção de imposto de renda. Segundo ele, foi dado muito crédito, com prazos longos e tíquetes altos, e algumas casas não se preocuparam em fazer uma diligência sobre os produtores e ter em mãos um histórico de devedor, por exemplo. “Houve exagero, os fundos querendo alocar grande e talvez em uma estrutura focada em garantia”, diz.

Lara afirma que têm começado a chegar à sua mesa casos de gestoras se desfazendo de alguns ativos que estão dentro dos Fiagros mais “estressados”, e ele tem analisado alguns investimentos.

Procurada, a Elisa Agro afirmou que o pedido de recuperação judicial foi necessário para reestruturar sua dívida e garantir “a preservação da empresa e empregos”. A reportagem não conseguiu contato com o Grupo Bergamasco.

Autor(a)
Por Fernanda Guimarães
Informações do autor
Imagem post original: O agronegócio enfrenta desafios com a queda do preço das commodities e o aumento de custos — Foto: ADM / Divulgação

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