A companhia, que hoje vende roupas, conseguiu aprovar plano de recuperação na Justiça, para o desespero dos credores
Quebrada há 12 anos, a Lojas Arapuã, que já foi a maior varejista de eletrodomésticos do País, vaga como um fantasma. Pendurada numa dívida de R$ 1 bilhão, a família Simeira Jacob, dona da empresa, mudou quase toda para Miami (EUA). A Arapuã também mudou de ramo: em vez de tevês e computadores, hoje vende roupa barata na periferia de São Paulo. A empresa entrou em concordata, já teve a falência decretada duas vezes, mas continua aberta graças a sucessivos recursos na Justiça. Agora, aposta numa nova tentativa para não virar massa falida.
A Arapuã conseguiu aprovar, no Tribunal de Justiça de São Paulo, um plano de recuperação judicial. Para ser efetivado, ele precisa ser aceito pela maioria dos credores. Não será uma tarefa fácil. Parte deles já está se articulando contra o plano e quer a falência da empresa. Alegam que o único objetivo do plano seria prorrogar artificialmente a vida da Arapuã para evitar a falência - uma vez que, nessa situação, a empresa e os proprietários podem ser forçados a vender seus bens para pagar as dívidas.
"Os credores não podem permitir a aprovação de um plano que frustra seus direitos", afirma o advogado Miguel Pereira Neto, que defende os interesses dos fornecedores Evadin, CCE e Primafer. "Anos atrás, eles já tiveram uma chance. Apresentaram um plano e, em vez de cumpri-lo, fizeram a transferência disfarçada de ativos da Arapuã. Agora, aparecem com a migalha que restou."
Fora os débitos tributários, de mais de R$ 500 milhões, que não entram no plano de recuperação, a Arapuã deve R$ 25,6 milhões a 664 ex-funcionários e outros R$ 694,5 milhões a várias empresas e investidores. Os ex-empregados ganharam na Justiça o direito a indenizações. A eles, a empresa pagaria até R$ 75,6 mil por pessoa. Já para as empresas e investidores, a Arapuã ofereceu R$ 3,5 milhões, para que dividam entre si. Isso representa cerca de 0,5% do que eles têm a receber.
"A gente sabe que é um pagamento muito pequeno", diz Ricardo Tepedino, advogado da Arapuã. "Mas é uma escolha entre receber muito pouco ou não receber. Numa falência, os credores não receberiam nada." A visão do advogado dos credores é outra. "A falência é a oportunidade de recuperar os bens que sumiram e usá-los para pagar as dívidas."
Uma das situações que incomoda os credores é a venda de 22 imóveis que a Arapuã tinha na região da Avenida Paulista, dois anos atrás, por R$ 13 milhões. Para convencer o juiz, a Arapuã primeiro justificou que pretendia usar o dinheiro para liquidar dívidas trabalhistas. Depois, disse que usaria a receita da venda para capitalizar sua empresa.
De acordo com os advogados do grupo de credores, não existe no processo a demonstração do que foi feito com o dinheiro. "Os R$ 13 milhões dos imóveis não foram para a Arapuã, foram para uma outra empresa. Além disso, não há comprovação da destinação dos recursos", afirma o advogado Luiz Gustavo Rodrigues, que também representa os credores. "Isso é algo que precisa ser esclarecido."
"A venda foi realizada de acordo com a decisão do juiz", afirma Kedma Moraes, também advogada da Arapuã. "Foi tudo utilizado para saldar dívida com credores, dívidas trabalhistas e para recompor capital de giro."
Justiça. A Arapuã pediu concordata em 1998 e, segundo a legislação da época, teria dois anos para quitar as dívidas. A empresa devia cerca de R$ 1 bilhão, mas pagou aos credores cerca de R$ 200 mil. Por conta disso, um juiz de São Paulo decretou a falência da empresa pela primeira vez, em 2003. Mas a defesa da Arapuã entrou com um recurso e o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Depois de seis anos, em março do ano passado o STJ finalmente decretou a falência da Arapuã. Mas a decisão demorou seis meses para ser publicada no Diário Oficial, o que permitiu à empresa acionar novamente a Justiça paulista, onde seu pedido de recuperação judicial foi aceito.
A Arapuã de hoje é um apenas um fiapo da empresa que, até o fim dos anos 90, rivalizava com a Casas Bahia e o Ponto Frio. Antes de quebrar, em 1998, tinha 265 lojas, mais de 2 mil funcionários e faturava R$ 1,6 bilhão. Com ações cotadas em Bolsa foi apontada, num estudo de 1996, como a mais rentável entre as maiores companhias de capital aberto do País.
Em 2008, a empresa mudou de ramo e criou uma rede de lojas de roupa popular, que opera com a marca Sete Bello. São 12 lojas, que faturaram cerca de R$ 28 milhões no ano passado.
A quebra da Arapuã é mais uma daquelas histórias de empresas dos anos 90 que pareciam impecáveis e, mesmo assim, quebraram. A crise da Ásia, em 1997, obrigou o governo a puxar os juros de 20% para mais de 40%. A inadimplência explodiu e empresas que dependiam de vendas a prazo, como a Arapuã, foram asfixiadas financeiramente.
Autor: David Friedlander
Fonte: http://www.estadao.com.br (20/12/2010)