O advogado Eduardo Munhoz, um dos maiores especialistas do País na área de recuperação judicial - ele participou das discussões no Ministério da Justiça que embasaram a criação da lei - acredita que, aos dez anos, a lei de recuperação judicial “vive seu momento mais importante”, com um elevado número de empresas de grande porte tendo de recorrer ao mecanismo diante dos desdobramentos da crise econômica e da Operação Lava Jato. “Se a lei não for bem usada e aprimorada, a crise econômica do País vai ser muito mais grave e duradoura”, diz
Para o especialista, que tem no currículo casos emblemáticos de recuperação judicial, como o da empreiteira OAS e do Grupo EBX, de Eike Batista, há um problema sistêmico no Brasil, que atinge empresas de diferentes setores e tamanhos, e que irá culminar em mais uma série de pedidos de recuperação judicial neste segundo semestre do ano. “Ainda está no começo desse movimento.”
Por um lado, a crise econômica está se agravando, diz o advogado. Ao mesmo tempo, a aversão dos bancos ao risco cresce, o que inibe concessão de novos financiamentos, ainda mais para empresas em situação financeira delicada. “Além disso, a Lava Jato (na 17ª fase) não parece que vai terminar tão cedo. Isso é um ambiente que afasta investidor internacional.”
A operação, deflagrada pela Polícia Federal, tem atingido diversas empresas ligadas não só diretamente, mas também indiretamente na Lava Jato. “Com a mudança claríssima e, de certo modo, repentina do ambiente econômico, projetos que ficavam muito bonitos no Power Point não se realizaram.”
Em meio ao recorde de pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre, Munhoz, de 44 anos, decidiu que era hora de seguir sozinho, deixar o escritório Mattos Filho, onde foi sócio por cinco anos, e lançar o E.Munhoz, especializado em contencioso e arbitragem, direito societário e, claro, recuperação judicial. Uma espécie de butique, o escritório tem apenas 15 especialistas na área jurídica, concentrados em casos estratégicos.
“Depois de muita reflexão decidi partir para essa empreitada, que é um projeto pessoal”, disse o advogado. “Vi que era um momento interessante de mercado, que demandava esse tipo de escritório.” De acordo com a Serasa Experian, foram feitos 492 pedidos de recuperação judicial nos seis primeiros meses de 2015 - recorde para um primeiro semestre desde 2006.
Grupo X. Esse é o retrato de diversos setores da economia, como na indústria de etanol, setor imobiliário, óleo e gás, diz o advogado. “O grupo X foi o prenúncio dessa fase.” Quatro companhias fundadas por Eike recorreram à recuperação judicial e estão no meio do processo: a petroleira OGX (hoje, OGPar), o braço de construção naval OSX, a mineradora MMX e a empresa de energia Eneva (antiga MPX).
O problema do Brasil, segundo Munhoz, é que o empresário evita o pedido de recuperação até o último momento, acaba ficando sem caixa e dificultando ainda mais o processo. “Recuperação judicial aqui é uma vergonha”, diz. “É importante entrar com o pedido quando ainda se tem caixa para manter a atividade operacional.”
A avaliação dele sobre o grupo X é que, além do pedido tardio, a situação das empresas foi agravada por problemas operacionais. Ele ressalta, no entanto, que a OGX usou as ferramentas da lei da forma adequada e que, não fosse a queda do preço do petróleo e problemas em poços, a petroleira “talvez tivesse sido bem sucedida”. O processo está em curso, mas a companhia enfrenta dificuldades.
Decisão sobre empréstimo da OAS é crucial
Advogado da empreiteira OAS, que está em recuperação judicial, Eduardo Munhoz avalia que “é fundamental” uma decisão favorável à concessão do empréstimo debtor-in-possession (DIP) de R$ 800 milhões à companhia. O crédito foi acertado com a gestora canadense Brookfield, mas a Justiça suspendeu o financiamento na quinta-feira passada, a pedido de credores.
A decisão, segundo ele, será um precedente importante para a viabilização do financiamento DIP no País, linha de crédito voltada para empresas em recuperação judicial. “Esperamos ter o julgamento até o final de agosto ou começo de setembro.
Uma decisão final do recurso a favor do DIP é o que dará segurança jurídica para a Brookfield desembolsar o dinheiro. Estamos confiantes no nosso direito”, afirmou.
O empréstimo, que tem como garantia a participação da OAS na Invepar, havia sido aprovado pelo juiz do processo de recuperação judicial, Daniel Carnio Costa. Conforme noticiado pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, pode levar três meses até que o desembargador Carlos Alberto Garbi, do Tribunal de Justiça de São Paulo, decida definitivamente se a OAS poderá ou não ter acesso aos R$ 800 milhões.
Credores alegam que o melhor ativo está sendo dado para a Brookfield e que a empresa não presta esclarecimentos suficientes sobre a necessidade desse empréstimo e de que forma os recursos serão usados. Credores insatisfeitos processam a empresa também no exterior.
A OAS tem sucessivamente alegado que precisa dos recursos para honrar seus contratos com clientes e fornecedores e manter os 100 mil empregos gerados pela sobras de sua responsabilidade, uma vez que está com o acesso ao mercado de crédito fechado.
M.S. e CYNTHIA DECLOEDT
ENTREVISTA – Eduardo Munhoz, advogado
Para o advogado Eduardo Munhoz, há uma série de mudanças que precisam ser feitas para aprimorar a lei de recuperação judicial e, assim, evitar um agravamento da crise atual.
O que deve ser aprimorado?
O financiamento da empresa em recuperação é um ponto crítico. Muitos estudos apontam que é fundamental, para uma taxa de sucesso de reorganização de uma empresa em crise, que ela tenha acesso a financiamento novo, o chamado DIP (debtor in possession financing). A lei brasileira tende a dar a proteção para o financiamento que é dado no meio do processo de recuperação, mas não no nível necessário.
O que falta, na sua opinião?
Nos Estados Unidos, o financiador que dá o DIP tem uma efetiva prioridade no recebimento do crédito em relação aos credores anteriores. Na lei brasileira, não há essa segurança e o financiador não tem a segurança para conceder o crédito. Outro ponto é que, ao dar uma garantia para quem injeta dinheiro na empresa, a decisão passa pelo juiz. O problema é que contra a decisão do juiz cabe recurso e, no Brasil, até uma decisão definitiva, pode levar dez anos. O recurso pode anular a garantia que foi dada. Esse é mais um risco.
A venda de ativos de empresas em recuperação, um instrumento necessário para injetar recursos na companhia em crise, também gera preocupações?
Sim. Há investidores que não compram por receio do risco de sucessão. Quem compra o ativo de uma empresa em recuperação não pode herdar nenhuma das suas dívidas.
Outra dificuldade apontada pelas empresas é relativa à questão tributária.
Algumas regras tributárias não casam bem com os objetivos da recuperação. Quando você concede um desconto da dívida há incidência de imposto. Por exemplo, uma empresa que deve R$ 1 bilhão e os credores aprovam reduzir aquela dívida para R$ 200 milhões, pagará 34% de imposto sobre os R$ 800 milhões. Em vez de ter o credor comercial, passa a ser devedor do Fisco. Quanto mais reduzir a dívida, mais imposto incide. É uma regra totalmente incoerente com os objetivos da recuperação e, muitas vezes, inviabiliza acordos de reestruturação.
O que influencia mais no recorde de pedidos de recuperação judicial, a crise econômica ou a Lava Jato?
É uma combinação dos dois fatores. Também é importante lembrar que, até pouco tempo atrás, entre 2004 e 2011, as empresas brasileiras nunca tiveram tanto acesso a fontes de financiamento, inclusive privado, seja via Bolsa de Valores ou emissão de dívidas. Em meio a esse momento de euforia da economia brasileira, tiveram muito acesso a financiamento e a dívida. É impressionante a quantidade de empresas brasileiras, até médias, que conseguiram lançar bonds (títulos privados) em Nova York. De certo modo, essa crise decorre, em diversos setores, desse acesso que houve ao levantamento de dívida e a um otimismo exagerado da capacidade de crescimento das empresas e de pagamento da dívida.