O pedido de recuperação judicial da Oi, o maior da história local, deve azedar ainda mais o humor dos investidores estrangeiros em relação aos bônus de empresas brasileiras. Eles já vinham pessimistas com a recente e mais importante onda de reestruturação de dívida corporativa por que passa o país. Entre as principais críticas, destaque para o tratamento discriminatório que estariam recebendo das companhias nas renegociações com credores e a falta de segurança jurídica, com alegada violação de direitos, quando o processo parte para a via judicial.
A consequência, segundo especialistas e investidores ouvidos pelo Valor, deverá ser o aumento do retorno exigido para investir em títulos brasileiros e, para algumas empresas e setores específicos, o fechamento do mercado.
Jack Deino, gestor responsável pelo time de dívida corporativa de emergentes da BlackRock, com US$ 12,5 bilhões em ativos na estratégia, chama a atenção para o fato de o Brasil ter uma lei de falências nova, que só começou a ser testada recentemente. "O que vemos não só no Brasil, mas na América Latina, é que no papel a lei é bem escrita, mas, quando se trata de interpretação e execução, há muitas brechas", afirma, com a ressalva de que não está envolvido pessoalmente em nenhum processo.
Ele afirma que em mercados desenvolvidos como EUA, Canadá ou Reino Unido, quando uma empresa vai para uma recuperação judicial o patrimônio do acionista é consumido para absorver as primeiras perdas e a sobra, quando existe, é dividida entre os credores de acordo com o nível em que estão na estrutura de capital. "Em mercados emergentes, nem sempre isso acontece e é por isso que os 'bondholders' estão mais vulneráveis a tomarem descontos que não tomariam em países mais desenvolvidos. O Brasil, infelizmente, é um dos países onde isso acontece."
Paulo Campana, sócio do Felsberg Advogados, diz que, diferentemente do que acontece nos EUA, no Brasil os acionistas não são vinculados no processo e apenas a empresa pode apresentar o plano. "Aqui, a conversão de dívida em participação na empresa só acontece com a aprovação do acionista." Assim como o risco de crédito das empresas brasileiras já foi incorporado às taxas exigidas pelo investidor, o que Deino chama de imprevisibilidade da lei de falências começa a cobrar seu preço. "As dificuldades e os processos de reestruturação em alguma medida começam a entrar nos preços", afirma. E, no caso de companhias menores, acrescenta Deino, elas não vão conseguir se re financiar como costumavam no passado.
Na opinião do advogado Eduardo Augusto Mattar, sócio do escritório Pinheiro Guimarães, mesmo em mercados de crédito com problemas ("distressed"), credores originais tendem a conseguir uma recuperação mais razoável. "No Brasil, o pior cenário vai ser muito pior que em outros mercados; em vez de recuperar 50%, 60%, 70% do valor do crédito, vão ter 15% a 30%, quando muito", afirma. E isso, continua o advogado, vai afetar o retorno a ser exigido pelo investidor daqui para frente, assim como diminuir o espaço para emissões de empresas brasileiras.
No J.P. Morgan, a estratégia global de investimentos em títulos de crédito corporativo "high yield", com US$ 25 bilhões em ativos, exclui bônus de mercados emergentes. Entre os fatores, conta David Seaman, gestor baseado em Chicago, estão as incertezas ligadas aos processos de recuperação judicial nesses países. "Sabemos que um crédito pode não ter a performance que esperamos, por isso somos compensados, mas nesses mercados, se tiver um default, não há como dimensionar o risco de perda."
O tratamento diferenciado a que estão sujeitos os credores estrangeiros, na avaliação de Mattar, deve-se à visão geral do mercado de que o processo de recuperação judicial não funciona no Brasil. "Partindo dessa presunção, muitas companhias aproveitam-se para fazer propostas indecentes." Segundo o advogado, há muita insegurança jurídica no país, uma vez que a aplicação da lei tem se mostrado falha. Ele conta que virou prática comum no juízo brasileiro, por exemplo, tratar sociedades de um mesmo grupo econômico como se fossem uma só devedora.
"Quando investidores emprestam para determinadas sociedades e, no bojo do processo, os ativos que garantem sua dívida são 'contrabandeados' para credores de outra pessoa jurídica, isso afronta a regra de separação das pessoas jurídicas e o princípio de segregação de responsabilidade", argumenta. Mattar cita o caso do processo do Grupo Rede, em que se buscou mais a recuperação dos acionistas do que da própria Rede Energia, emissora dos bônus.
A forma de apresentação do pedido de recuperação judicial pela Oi, com uma lista conjunta de credores de seis empresas do grupo, mostra que a empresa vai partir para a consolidação do plano. "Colocar credores de uma empresa para votar os termos e condições de pagamento de credores de outra facilita a 'manipulação' do quórum para aprovação do plano", afirma uma fonte que pediu para não ser identificada. Se for implementada a consolidação, credores da Oi Móvel e da Copart vão votar os termos da proposta de pagamento aos detentores de bônus da Telemar Norte Leste, sociedade com ativos de maior valor. "Isso força que credores que teriam mais a receber tenham perdas acima do esperado", diz a fonte. O objetivo, diz, é tirar valor dos credores em geral. "Como é um jogo de soma zero, se os credores perdem, os acionistas são beneficiados."
Para que um plano de recuperação possa ser homologado pelo Poder Judiciário, ele precisa ser aprovado na maioria das classes de credores. Assim, explica Guilherme Ferreira, sócio da Jive Investments, gestora especializada em ativos "distressed", como credores com garantia real e sem garantia (exceto trabalhistas e micro e pequenas empresas) votam "por valor" e "por cabeça", as empresas têm adotado como estratégia para aprovação vantagens como pagamentos proporcionalmente maiores a pequenos credores. Com isso, a empresa consegue o número necessário de votos por cabeça e então é só compor com um ou dois grandes bancos (muitas vezes em negociações fora do processo) para obter o voto por valor.
"Essa seria uma fragilidade do sistema, uma vez que a lei não faz distinção entre credores da mesma classe, mas o Judiciário tem aceitado planos com este tipo de discriminação", afirma. Para Ferreira, essa onda de reestruturação de dívida no Brasil vai servir de aprendizado para os "bondholders" e resultar na inclusão de cláusulas adicionais de proteção. Hoje, diz, as escrituras das emissões já trazem a cláusula "pari passu", que garante aos bondholders o mesmo tratamento dado aos demais credores de mesma classe. Mas, na prática, ela não tem funcionado, pois credores locais, como bancos e fornecedores, estão recebendo ofertas melhores que credores estrangeiros da mesma classe - caso da Gol.