Diante da enxurrada de pedidos de recuperação judicial por empresas em dificuldades financeiras, o projeto do novo Código Comercial, que está prestes a ser votado pela comissão especial da Câmara encarregada de apreciá-lo, passou a ser objeto de discussões nos meios jurídicos. Apresentado em 2011, ele é de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP), que justificou a iniciativa em nome da simplificação e modernização do direito empresarial.
Editado em 1850 por d. Pedro II, o Código Comercial em vigor é incompatível com a realidade das empresas num mundo globalizado. Dele só restam válidos os dispositivos relativos ao transporte por via marítima. Com a industrialização, a expansão do mercado de capitais, o avanço da tecnologia e a modernização dos negócios, vários capítulos do Código foram substituídos por leis especiais – como a Lei das Sociedades Anônimas, de 1976; a Lei de Títulos de Crédito Comercial, de 1980; e a Lei de Recuperação de Empresas, de 2005. E, ao atualizar os direitos e as obrigações das pessoas físicas e jurídicas, o novo Código Civil revogou vários dispositivos do Código Comercial.
Como os princípios e as normas do Código de 1850 ficaram espalhados entre diferentes textos legais bem mais modernos e amplamente discutidos pelo Legislativo e pelos meios forenses e acadêmicos, a opinião geral era de que não haveria necessidade de elaborar um novo código. Mesmo assim, o projeto do parlamentar petista avançou, sendo submetido a audiências públicas e eventos organizados por federações empresariais e entidades jurídicas. Mas o projeto não é tido em boa conta. Segundo reputados especialistas, o texto mistura direito comercial com direito civil, desarruma a jurisprudência já firmada pelos tribunais e exige a reforma do novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor há poucos meses, nos dispositivos relativos à dissolução parcial de sociedades comerciais.
Os especialistas apontam, entre suas falhas mais gritantes, a ausência de regulamentação das áreas bancária e securitária, tratamento confuso da cadeia do agronegócio e a criação de um processo para a recuperação de empresas que se choca com a lei em vigor, que foi muito bem recebida pela iniciativa privada. Os comercialistas lembram ainda que alguns artigos contêm princípios incompatíveis entre si, o que sobrecarregará o trabalho dos advogados e juízes. Segundo eles, o projeto é rico em redundâncias e tautologias. Um artigo prevê, por exemplo, que a empresa se baseia no “contrato social celebrado entre sócios”. Outro estabelece que ela “deve contratar obrigações que atendam, em ponderação final, aos seus interesses”.
Com quase 800 artigos, o projeto se destaca, ainda, pela imprecisão de conceitos. Pelo direito societário em vigor, o sócio controlador responde por abuso de poder de controle, cuja definição já é conhecida nos meios forenses. Ao falar em “exercício abusivo de direitos societários”, o projeto introduz um conceito muito aberto que, por permitir ampla liberdade de interpretação, abre caminho para decisões judiciais conflitantes e dificulta a formação de uma jurisprudência uniforme. E, ao tratar sócios minoritários como incapazes de cuidar de seus interesses, precisando de proteção judicial, o autor do projeto não considera que, numa economia diversificada como a brasileira, o sócio minoritário pode ser uma empresa multinacional de grande porte. Por que ela precisaria de proteção especial?, indagam os especialistas.
Entre os juristas que defendem o projeto, um dos principais argumentos é de que as pequenas e médias empresas, as grandes corporações e as instituições financeiras necessitam de modelos contratuais diversificados, que não são previstos pelo Código Civil. Também sustentam que, ao unificar o direito privado, o Código Civil tratou as relações entre as empresas do mesmo modo que as relações de consumo, de trabalho e de vizinhança. Esses argumentos podem até ser procedentes, mas não bastam para refutar as fortes críticas que o projeto do novo Código Comercial tem recebido.