Polo naval gaúcho, situado em Rio Grande e São José do Norte, recebeu os estaleiros QGI (Queiroz Galvão e Iesa); Rio Grande (Ecovix); e EBR (SOG Óleo e Toyo)
Num intervalo de pouco mais de dez anos, a cidade portuária de Rio Grande foi da euforia com a implantação do polo naval destinado a construir plataformas de exploração de óleo e gás para a Petrobras à depressão com o fim das encomendas da estatal e a paralisação de projetos na esteira dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato. Nesse meio tempo, o município de 208 mil habitantes passou de um quadro de quase pleno emprego para um estoque de 7 mil a 10 mil demitidos só pelo setor que prometia acelerar o crescimento local por pelo menos algumas décadas.
"A cidade sentiu-se convidada a embarcar em um projeto industrial de 30 ou 40 anos", diz, desapontado, o prefeito Alexandre Lindenmeyer (PT). De acordo com ele, o quadro era "muito promissor", pois Rio Grande havia se tornado parte do "plano estratégico de uma das maiores petroleiras do mundo". O problema é que a história não seguiu o planejado e o município ainda não sabe bem o que fazer para consertar os estragos.
O polo naval gaúcho é formado pelos estaleiros QGI, da Queiroz Galvão e Iesa Óleo & Gás, e Rio Grande, da Ecovix, que está paralisado e em recuperação judicial, ambos em Rio Grande. Na cidade vizinha de São José do Norte, de 27 mil habitantes, opera o EBR, da SOG Óleo e Gás e Toyo Engineering. No auge das obras de cascos e módulos para plataformas, em 2013, os três empregavam 23 mil pessoas, mas hoje o contingente é de 3,1 mil e as construções em curso não passam do primeiro trimestre de 2018, o que significa novas demissões nos próximos meses.
O número de desempregados só não é maior porque boa parte deles era de outras cidades gaúchas e de outros Estados e retornou a suas regiões. "Não há perspectivas para esses desempregados", diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos e Rio Grande e São José do Norte, Benito Gonçalves. Segundo o vice-presidente da entidade, Sadi Machado, os que conseguem algum emprego na cidade ganham muito menos do que recebiam nos estaleiros, mas a maioria sobrevive mesmo é de pequenos "bicos".
"Há dez anos, tínhamos 2 mil catadores de lixo. Em 2012 e 2013 eram 200, agora temos três novos a cada semana", diz Lindenmeyer. Outro efeito foi o aumento dos pagamentos do Bolsa-Família na cidade de R$ 9,3 milhões em 2015 para R$ 10,9 milhões em 2016, após três anos de queda. O mesmo ocorreu com os indicadores de criminalidade. O número de roubos foi de 1,6 mil em 2014 para 2,5 mil em 2015 e para 2,6 mil, em 2016.
Toda a cidade sentiu o tranco com a derrocada do polo naval. Conforme o prefeito, em 2017 o município deve deixar de arrecadar entre R$ 60 e R$ 70 milhões em ISSQN e ICMS, o equivalente a cerca de 10% do orçamento de 2016.
O repasse de ICMS para a prefeitura reflete o desempenho da economia local nos dois anos anteriores e de 2015 a 2017 o índice de participação da cidade na fatia do imposto distribuída pelo governo do Estado às prefeituras recuou de 2,69 para 1,71. Com menos dinheiro, fica mais difícil para suportar os gastos que cresceram para acompanhar o aumento recente da demanda por serviços públicos.
Nos últimos quatro anos, a prefeitura ampliou seu quadro em 17% ao contratar 900 funcionários: parte para substituir 250 aposentados e parte para o atendimento à população. São servidores de escolas, assistência social e saúde da família, diz o prefeito. Segundo ele, no período o município construiu sete escolas infantis, investiu em habitação e na guarda municipal.
As dispensas no polo naval provocaram um efeito cascata em outros setores. O comércio, após oito anos consecutivos de aumento de postos de trabalho, fechou 442 vagas em 2015, 329 em 2016 e 328 nos quatro primeiros meses de 2017. Nos serviços, após cinco anos de crescimento, o saldo de empregos perdidos somou 1.019 em 2015, 184 no ano passado e 227 este ano até abril.
"A redução do polo teve repercussão proporcional no comércio e nos serviços porque muita gente foi embora e quem ficou perdeu o poder de consumo", diz o presidente da Câmara do Comércio, Torquatto Neto.
Muitas empresas fecharam as portas ou reduziram tamanho, como a Zanetti Materiais de Construção, do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Luiz Carlos Zanetti. A rede tinha duas unidades até 2007, quando construiu uma loja, de 1 mil metros quadrados, para acompanhar o aumento da clientela. Em 2010, a matriz foi ampliada de 200 para 1,2 mil m2 e em todo o período de expansão o número de funcionários cresceu de 80 para 130. Neste ano, o empresário teve de fechar a unidade construída em 2007 e o número de empregados vai cair para 90.
Quando os estaleiros começaram a ser instalado, em 2005, a cidade tinha dois hotéis. Nos anos seguintes outros quatro foram construídos, mas com o início do declínio do setor naval, em 2014, três estabelecimentos projetados não saíram do papel. A taxa de ocupação, que no auge chegou a 80% a 90%, caiu para 20% a 35%.
Não foi diferente no mercado imobiliário. O preço de um apartamento novo de dois dormitórios no Centro passou de R$ 350 mil para R$ 500 mil no auge da indústria naval, agora voltou ao valor inicial. Nas locações a variação foi mais acentuada e o aluguel do mesmo imóvel, que havia subido de R$ 400 para R$ 2,5 mil, agora vale R$ 550.
"Com a expectativa de um projeto para pelo menos 20 anos, a cidade se preparou, investiu em infraestrutura e serviços, mas agora a concorrência ficou e o mercado diminuiu", diz Zanetti. Ele não acredita no futuro do polo naval, embora apoie os esforços da prefeitura para convencer a Petrobras a concluir a construção do casco para a plataforma P-71, que está pela metade no estaleiro da Ecovix.
"Precisamos virar a página e deixar de ser 'viúvas' do polo naval", afirma Zanetti. Na opinião dele, a cidade tem outros potenciais econômicos, principalmente no turismo, setor portuário e indústria. "A cidade vive uma crise psicológica e enquanto ela não terminar os empresários não vão voltar a investir."