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Riscos e oportunidades da reforma da lei de falências

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Passada mais de uma década da entrada em vigor da chamada Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei 11.101/05), voltou-se a debater a conveniência de uma alteração na legislação falimentar. A reforma na Lei de Falências trouxe avanços inegáveis, em especial ao substituir a ineficiente concordata pela recuperação judicial, inspirada no Capítulo 11 da Lei de Falências americana.

Sob o novo modelo, criou-se um arcabouço legal, chamado de recuperação judicial, para que firmas em dificuldades possam propor e implementar um plano de recuperação com aval dos credores e sob supervisão da Justiça. Os credores se tornaram parte mais ativa do processo, podendo acompanhar com maior proximidade o desenrolar da reorganização das empresas em dificuldades financeiras, bem como negociar as novas condições de pagamento alinhadas a suas capacidades.

Na falência, alguns tipos de credores viram aumentar a prioridade dada a seus créditos. Como resultado da reforma de 2005, há evidências de impactos positivos sobre a taxa de recuperação de créditos e, consequentemente, sobre o custo do crédito, conforme evidenciado por Araujo, Ferreira e Funchal em "The Brazilian Bankruptcy Experience" (Journal of Corporate Finance, 2012).

É verdade que ainda há muito espaço para melhora, mas é preciso estar atento para que o debate se dê a partir de uma avaliação realista e precisa dos problemas da lei atual, sem desconsiderar a realidade brasileira. Um mau diagnóstico inevitavelmente resultará em um receituário inadequado.

É nesse sentido que o grupo de trabalho do Ministério da Fazenda vem trabalhando para ter um projeto de lei fechado já para o mês de maio. Algumas questões estão pacificadas, como a necessidade de um regime especial, mais simples e menos custoso, para micro e pequenas empresas, que representam cerca de metade dos processos de recuperação e a maioria absoluta dos processos de falência.

Para se ter uma ideia, a maior parte dos processos de liquidação são de micro e pequenas empresas e, para boa parte deles, os custos do processo judicial superam o valor dos ativos das empresas. Isso quando não há desistência, abandono ou extinção sem resolução do mérito do processo, o que ocorre duas vezes mais com micro e pequenas empresas em recuperação quando comparado com empresas maiores.

Sob a lei atual, micro e pequenas empresas têm metade das chances de se recuperar em relação a empresas maiores

Como resultado, os credores não recuperam nem um centavo e o Estado ainda tem custo para fechar a empresa. Assim, trabalhar para ter um processo judicial mais adequado ao tamanho da empresa, sendo mais barato e tempestivo para as menores, traz ganhos não só para credores como também para o próprio Estado e para as empresas de menor porte que estão em funcionamento no mercado. Sob a lei atual, micro e pequenas empresas têm metade das chances de se recuperar, em comparação a empresas maiores e cinco vezes mais chances de ter o seu pedido de recuperação indeferido.

Outro ponto de visão comum é a importância das varas especializadas. A qualidade do andamento dos processos de recuperação judicial, desde o requerimento até sua conclusão, tende a ser mais assertiva e eficiente nas varas especializadas. Um dos grandes problemas que temos hoje é o mau uso do sistema, principalmente na tentativa de recuperar empresas que deveriam ser liquidadas.

Em tese, apenas empresas economicamente viáveis, deveriam seguir no processo de recuperação judicial, enquanto as inviáveis deveriam ser liquidadas, uma vez que o valor de venda dos seus ativos é menor do que o valor da empresa em continuidade. Porém, a dificuldade em identificar tal característica de viabilidade econômica das empresas faz com que juízes, principalmente os fora das varas especializadas, aceitem a maioria absoluta dos requerimentos de recuperação judicial, independente da viabilidade da empresa requerente.

Como boa parte das empresas em recuperação já era inviável no momento do pedido, a tendência é da não recuperação e a convolação em liquidação. Assim, a postergação da liquidação contribui para depreciar muito o valor dos ativos da empresa, dificultando seu melhor destino e comprometendo a recuperação do crédito pelos credores.

Desta forma, a sugestão de criar regiões especializadas em causas de falência e recuperação de empresas seria importante para deixar o processo mais eficiente em todo o Brasil, não apenas nas comarcas que tenham juízes treinados em processos de falência. Ponticelli (QuarterlyJournal of Economics, 2016) traz evidências contundentes nessa direção, mostrando que o efeito da reforma da Lei de Falências acabou sendo menor nas regiões sem varas especializadas.

A possível mudança que vem tendo maior destaque na mídia é em relação aos créditos com garantias fiduciárias. Pela lei atual, esses créditos estão fora do processo, com os credores detendo a posse dos bens até o pagamento total da dívida. Se por um lado isso dificulta o processo de recuperação da empresa, dado que uma boa parte da dívida é desta natureza, por outro a inclusão dessa classe no processo de recuperação judicial pode significar uma perda de proteção aos credores, com potencial impacto na oferta de crédito.

A proposta em debate coloca esses credores dentro do processo de recuperação e de falência, tendo prioridade absoluta sobre os demais. Em relação à falência esse ponto é visto por todos como extremamente positivo, pois traz um aumento potencial na taxa de recuperação dos credores. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre a recuperação judicial. Na recuperação, o lado bom desta mudança seria trazer para dentro do processo credores relevantes que auxiliariam na solução do problema, mantendo a prioridade absoluta frente aos demais credores. Porém, existe um risco grande nessa mudança. Evidências empíricas mostram que, na prática, a prioridade absoluta não é mantida, mesmo nos países com forte tradição legal como os Estados Unidos. A consequência disso seria uma perda de proteção aos credores, com possíveis efeitos sobre juros, dado o maior risco do não recebimento por parte dos credores.

Avançamos muito com a Lei 11.101/05. É preciso avançar mais, e não retroceder.

Aloisio Araujo é professor da FGV-Rio e do IMPA, membro do grupo de trabalho do Ministério da Fazenda.

Bruno Funchal é secretário de Fazenda do ES, professor da Fucape e membro do grupo de trabalho do Ministério da Fazenda

Rafael Ferreira é professor da FEA-USP.

Autor(a)
Aloisio Araujo, Bruno Funchal e Rafael Ferreira

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