O repórter Graciliano Rocha publica, do BuzzFeed, a reportagem “Este é o raio X da dívida bilionária que levou o Grupo Abril à lona”. “O maior credor individual da Abril é a empresa Planner Trustee, uma corretora de valores sediada na Faria Lima, em São Paulo, com R$ 1 bilhão a receber no processo. A Planner diz que não comprou, ela própria, créditos do grupo, mas que figura na lista porque é o agente fiduciário de duas emissões de debêntures da companhia. O grosso desse dinheiro pertence a bancos que financiaram a Abril em mais de duas décadas de endividamento crescente”, informa o jornalista. Adiante, acrescenta: “O Bradesco, maior credor, foi o primeiro a cortar o cheque especial do conglomerado. Foi seguido pelo Santander e Itaú-Unibanco”. A dívida total é de 1,6 bilhão de reais. A lista dos credores ocupa 148 páginas do processono qual o grupo pede recuperação judicial.
O Grupo Abril deve 110 milhões de reais a 2.659 funcionários e ex-funcionários. “No total, os débitos trabalhistas ou resultantes de indenizações de acidentes de trabalho — que têm prioridade de pagamento no processo de recuperação da empresa — representam menos de 7% do total da dívida do grupo”, revela Graciliano Rocha. “Os 800 demitidos nem sequer conseguiram sacar o dinheiro em suas contas de FGTS porque o Grupo Abril ainda não havia enviado a autorização para a Caixa Econômica Federal liberar o dinheiro”, anota o repórter. A empresa informou, depois da pressão da categoria, que estava dando a autorização.
Três integrantes da família Civita aparecem como credores de 172,7 milhões de reais. Eles fizeram aporte de capital na empresa. Débitos quirografários, como é o caso, ficam no fim da fila — atrás dos débitos trabalhistas. Giancarlo Civita e Victor Civita Neto são os filhos de Roberto Civita que assumiram a direção do grupo com a morte do pai. O grupo é dirigido hoje pelo executivo por Marcos Haaland, da empresa de consultoria Alvarez & Marsal. O que se comenta, nos bastidores da Abril, é que a empresa, especializada em enxugamentos drásticos, estaria articulando a venda de algumas publicações, inclusive das mais bem-sucedidas.
A Walt Disney Company pretende receber 3,8 milhões de reais. Os fornecedores de papel Stora Enso e Suzado cobram 7,5 milhões de reais. A Telefônica pleiteia receber 17 milhões de reais. A dívida com 680 microempresas chega a 68 milhões de reais.
A Price WaterhouseCoopers tenta receber 1 milhão de reais. A empresa fez auditoria para o Grupo Abril. Sobre sua crise.
O Grupo Abril, que permanece um gigante — editando publicações fortes como as revistas “Veja”, “Exame” e “Quatro Rodas” —, tem prazo de dois meses “para apresentar um plano” de pagamento dos credores. “Se o plano fracassar, a empresa vai à falência”, afirma Graciliano Rocha. A dívida é considerada alta, mas negociável. Mas o problema é que os bancos, depois de anos negociando com o Grupo Abril, não queriam negociar nos moldes propostos. Com a recuperação judicial, a tendência é que voltem a negociar. A falência do Grupo Abril não interessa a ninguém — muito menos aos bancos. A Justiça tem sido flexível no caso de empresas que, em recuperação judicial, têm um grande número de funcionários e uma história de seriedade no mercado —como é o caso da empresa fundada por Victor Civita e sedimentada por Roberto Civita, os dois falecidos.
Graciliano Rocha colhe e publica um rumor: “Parte das dívidas em favor dos bancos poderia estar em vias de ser vendida no mercado secundário e algum fundo-abutre, como são conhecidos os investidores que compram por uma fração ínfima do valor de face papeis podres. (…) Para os bancos, é uma oportunidade de limpar de sua contabilidade créditos de difícil recuperação. Procurada, a Abril negou que tenha havido qualquer venda da dívida no mercado secundário”.
A raiz do endividamento do Grupo Abril
As principais publicações do Grupo Abril, como “Veja”, “Exame” e “Quatro Rodas”, eram (ou são) lucrativas. Graciliano Rocha rastreia a origem da crise: “A maré começou a mudar quando o conglomerado obteve as concessões para operar TV e fundou a TVA em 1991. A aposta do sucessor de Victor Civita, o primogênito Roberto, era que TV por assinatura era feita sob medida para a Abril por dois fatores: 1) os canais permitiam a segmentação do conteúdo, algo que a empresa tinha expertise por causa das suas revistas; 2) ninguém no Brasil entendia tão bem de vender assinaturas quanto os Civita”.
Os dirigentes do Grupo Abril cometeram um erro estratégico, afirma Graciliano Rocha. Porque não souberam “prever a enorme quantidade de capital necessária para fazer o segmento de TV por assinatura no Brasil deslanchar e até atingir uma audiência suficiente para angariar as almejadas verbas de publicidade”. Um ex-funcionário disse: “Nós preparamos para escalar o pico do Jaraguá, mas descobrimos que estávamos subindo o Everest”. “O endividamento contraído no Everest da TVA, e depois na Directv, está na origem da débâcle de hoje. No início da década passada, a aventura da TV já havia dragado o caixa da Abril e a dívida do grupo já era estimada na casa dos 500 milhões de dólares em 2001. Foi quando a empresa, que sempre se orgulhou de pagar seus funcionários rigorosamente em dia, teve de aderir pela primeira vez ao expediente de pegar dinheiro nos bancos para cobrir a folha de pagamento”.
Um analista de mercado disse ao BuzzFeed que “a Abril fez muita emissão, inclusive fora [do Brasil], ainda na época da TVA. Dívidas que foram feitas depois eram até de longo prazo. O problema do futuro é que um dia ele vira presente”.
Há um problema mais recente, apontado pelo Grupo Abril no pedido de recuperação judicial: “O crescimento com imprevisível rapidez da mídia digital afetou gravemente as receitas das empresas focadas em publicações impressas. De fato, as grandes editoras foram obrigadas a manter a produção de conteúdo, com elevados custos, e perderam grande parte da sua principal fonte de receita representada pela publicidade. Os gigantes Google, Facebook e blogs, estes com custos ínfimos, passaram a oferecer aos anunciantes publicidade a preços muito baixos”.
31/08/2018