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Sale leasingback em condições de insolvência: o devedor tem a liberdade de dispor do seu patrimônio livremente?

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Vamos considerar a seguinte hipótese: Uma empresa endividada, na tentativa de obter acesso rápido a um crédito, busca o mercado para realizar uma operação de Sale & Leaseback utilizando – onerando (sic!) - seu principal ativo como colateral junto a um Fundo de Investimentos, operando-o via arrendamento por um determinado período. Essa operação foi estruturada levando em consideração os seguintes fatos: o imóvel possuía na matrícula algumas anotações premonitórias[1], além de registros de hipoteca em outras operações.

 O Sale & Leaseback, ou leasing de retorno, é um contrato atípico no qual o proprietário vende o imóvel a um investidor, ainda que com o animus de permanecer proprietário, para, simultaneamente, arrendá-lo por um período determinado conforme a modelagem financeira da operação, garantindo uma estrutura de saída via recompra do ativo, mormente porque o objetivo principal do proprietário do bem, nesse caso, é a captação de recursos de maneira mais célere, sem, contudo, perder a posse e a operação do referido ativo imobiliário.

Esse tipo de negócio, a depender do critério contábil que se utilize para classificar a operação, se mostra como uma excelente alternativa para o enfrentamento de eventual cenário de crise econômico-financeira pois proporciona uma redução à exposição direta quanto à composição de endividamento da empresa, além de garantir liquidez com a exploração do ativo.

Poderia, considerando a crise financeira, com cenário de insolvência iminente, o devedor dispor livremente do seu patrimônio, como neste caso hipotético?

A operação mencionada acima envolve o pagamento do arrendamento mercantil e o preço de venda, que são interdependentes por serem negociados como uma espécie de pacote. Ressalta-se que esta é uma condição sine qua non desse tipo de contrato. Diante disso, o tratamento contábil de uma transação de Sale & Leaseback dependerá do tipo de arrendamento mercantil envolvido[2], refletindo, ou não, no perfil da dívida.

Contudo, o que se busca discutir neste artigo cinge-se à possibilidade - ou não - da alienação deste ativo, ainda que em uma operação prevendo recompra, considerando a existência de averbações premonitórias nas matrículas e, ainda, pela condição de insolvência iminente do vendedor/arrendatário.

Consabido, a averbação premonitória é o ato pelo qual se concede publicidade à existência de uma execução em face do devedor, após o despacho inicial, a fim de impedir que este esvazie o seu patrimônio e, com isso, frustre a execução.

O objetivo desta anotação na matrícula do imóvel se limita a advertir terceira pessoa acerca da existência de uma pendência judicial expropriatória, não funcionando como óbice ao exercício do direito de dispor daquele bem por parte do seu titular, sendo válido, em regra, o negócio jurídico realizado.

Nesse sentido, importante pontuar que ao devedor é vedado dispor do seu patrimônio quando existir risco de frustrar ou criar embaraço à satisfação dos créditos devidos aos seus credores. Tanto a legislação tributária, quanto o Código Civil, trazem disposições acerca do tema. A primeira consigna que se presume fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa (Art.185/CTN).

Já a segunda, de igual cuidado, prevê que em caso de alienação do estabelecimento comercial, se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia desta alienação depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação. (Art.1.145/CC)

Nesse sentido, caberia fazer uma análise mais profunda acerca dos demais bens que compõem o patrimônio do devedor para então pontuar se houve, ou não, fraude à execução ou qualquer frustação aos direitos dos credores. Bem como seria necessária uma avaliação do contrato de S&L para identificar, por exemplo, a obrigação (ou possibilidade) de compra futura e, em caso positivo, se o preço será superior ou inferior ao valor considerado justo, pois esses pontos possuem grande relevância contábil.

Caso semelhante ocorreu recentemente. O fundo FII BTG Pactual Terras Agrícolas (BTRA11) sofreu uma queda considerável após a divulgação do fato relevante que informou o pedido de Recuperação Judicial requerido pelos arrendatários/operadores da Fazenda Vianmancel, que faz parte do portifólio de investimentos do fundo. O ativo, de R$ 81 milhões, representa aproximadamente 24% do patrimônio de R$ 342,2 milhões do BTRA11[3], e a operação estruturada, neste caso, se deu por meio do contrato atípico mencionado acima, o Sale & Leaseback (ou leasing de retorno).

No referido caso, a 3ª Vara Cível da Comarca de Sorriso (MT), em decisão liminar nos autos da ação de Execução de Título Extrajudicial, concluiu que o imóvel, a Fazenda Vianmancel, não poderia ter sido negociado – considerando a existência de averbações premonitórias nas matrículas -, determinando a penhora do direito de uso da fazenda em favor do credor, após o pedido de recuperação judicial, em trâmite perante a 1ª Vara Cível de Cuiabá/MT, autuada sob o nº 1019247-72.2022.8.11.0041. A decisão teve seus efeitos suspensos, provisoriamente, pelo TJMT, e o caso está pendente de análise.

Não sabemos ao acerto se os credores, quiçá o Juízo, buscaram entender a operação sob o viés financeiro, contábil e/ou patrimonial. O Direito, em debates como esse, é socorrido por regulações especificas como aquelas oriundas do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 47, apêndice B, que em matéria de sale and leaseback ou acordo de recompra, itens B64 a B76.

Se estivermos diante de um acordo de recompra por valor inferior ao preço de venda original, classificaríamos a operação como arrendamento mercantil, se por valor equivalente ou superior ao preço de venda original do ativo, fica a operação classificada como acordo de financiamento.

A posição patrimonial do devedor, e a classificação do ativo, neste particular, sofreria alteração mas sem modifica, de forma desproporcional, a composição de patrimônio e teríamos, em um primeiro momento, a razão de equivalência entre as contas, afastando, a priori, qualquer alegação de fraude, esvaziamento de patrimônio ou frustração dos interesses dos credores.

Dito isso, e para além da discussão acerca da possibilidade de alienação de ativo em um cenário de insolvência, a análise da operação por este viés contábil se mostra de extrema relevância, uma vez que a modalidade de alienação, bem como a alocação do ativo no balanço contábil, determinará se houve ou não tentativa de esvaziamento do patrimônio, ensejando fraude à execução e, por conseguinte, anulação do negócio jurídico.

A também que se refletir quanto ao custo de oportunidade de não se utilizar esse ativo para gerar liquidez, reestruturar o caixa da companhia e melhorar a razão de composição de capital utilizado na exploração da atividade econômica para geração de riqueza, o que, no fim do dia, é o real interesse dos credores e do mercado em geral.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       


[1] Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade.

[2] Temática contábil e balanços: solicitação de confirmação positiva.... -- 8. ed. -- São Paulo: IOB, 2012. -- (Coleção manual de procedimentos)

Autor(a)
Washington Pimentel Jr.
Informações do autor
Advogado, Mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP, Especialista em Dívida, Reestruturação e Recuperação Empresarial.
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