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Separação de propriedade e controle e as sociedades de economia mista

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Em seu livro "The Modern Corporation and Private Property", Adolf Bearle e Gardiner Means apontam que a principal característica das companhias modernas é a separação entre propriedade e controle: as decisões de gestão não são tomadas de maneira direta pelos verdadeiros donos da empresa, seus acionistas. Esta separação, que é parte natural e desejável da evolução de qualquer economia de mercado, gera diversos problemas de incentivo. Não sendo os donos da empresa e não havendo mecanismos que alinhem interesses, os gestores não necessariamente tomarão decisões que maximizem o valor gerado para os acionistas.

Ora, se gestores atuarão sem mirar no seu melhor interesse, acionistas não financiarão empresas e seus projetos, o que trará efeitos negativos sobre a economia. Não é surpreendente, portanto, que nos últimos oitenta anos acadêmicos, reguladores, juristas e profissionais tenham se dedicado a estudar mecanismos de governo corporativo, com o objetivo de reduzir potenciais desalinhos de interesse.

Como a discussão se aplica a sociedades de economia mista? Sua propriedade é dos cidadãos brasileiros e de seus acionistas. O controle é exercido pela União, a pessoa jurídica de direito público que representa a República Federativa e, como consequência, seus cidadãos. Assim sendo, poderíamos imaginar que os problemas trazidos pela separação entre propriedade e controle sejam menores quando o controle é estatal. Há um detalhe, no entanto: são os governos que atuam como representantes da União, o que, na verdade, magnifica os problemas de separação entre propriedade e controle.

Seria bom impor às sociedades de economia mista restrições e controles análogos aos do setor público

Por ao menos quatro razões: 1- em relação a outros benefícios que os governos têm (uso político para fins eleitorais é o maior deles), os benefícios privados de controle - benefícios auferidos por controladores à custa de outros stakeholders - tendem a ser diferentes e muitas vezes maiores nas sociedades de economia mista; 2- não é possível disciplinar a gestão de uma sociedade de economia mista por meio da ameaça de tomada de controle no mercado acionário; 3- os bolsos largos do controlador (a possibilidade quase ilimitada de taxar cidadãos) e o estímulo a operações de salvamento ou resgate a posteriori na forma de capitalização fazem com que a disciplina imposta a gestores pela possibilidade de falência não esteja, de fato, presente; 4- por se apropriar de fração menor do benefício de uma boa gestão nas sociedades de economia mista, os incentivos que um contribuinte tem de monitorar são ainda menores que os dos minoritários de empresas privadas. Como resolver então o problema de separação entre propriedade e controle em empresas estatais?

Uma tentativa seria impor às sociedades de economia mista restrições e controles análogos aos impostos ao setor público. Poderíamos sujeitá-las - como se fazia com a Petrobras antes de 1997 - à Lei n 8666/93, que obriga órgãos públicos a fazerem suas compras por meio de licitações. Mas isso significa impor amarras que podem comprometer, de maneira substancial, sua capacidade de competição. Outras restrições, como regras que limitem a priori a remuneração de funcionários, terão efeitos deletérios similares (incapacidade de competir no recrutamento de talentos). No entanto, a ausência de controles nos processos de compra gerou os bilionários casos de corrupção que têm sido noticiados pela imprensa.

Como resolver esse paradoxo? Uma solução é privatizar e permitir que a empresa opere sem amarras, mas, por ora, a ideologia estatizante que vigora no país não nos permite pensar assim.

Como uma segunda tentativa, podemos usar a sugestão de especialistas que apontam ser suficiente que se aplique a Lei das S.A., que afirma que o controlador será responsável por eleger gestor ou fiscal "que sabe inapto moral ou tecnicamente".

A ameaça de responsabilização não foi suficiente para deter indicações que, numa análise baseada no noticiário recente, parecem ter descumprido ambos requerimentos. Uma possível razão para isso é que as consequências pecuniárias de uma eventual responsabilização da União serão transferidas aos cidadãos, por meio de impostos. Uma vez mais, privatização resolveria o problema; ideologias à parte, por óbvio. Os interesses pecuniários se sobrepujariam a outros e haveria incentivos para indicação de gestores aptos.

O artigo 238 da Lei das S.A. estabelece que o controlador de sociedades de economia mista tem os mesmos deveres e responsabilidades que os de uma empresa privada, mas "poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação".

O que é interesse público? Ele é mais bem protegido dando-se opaca discricionariedade ao controlador das sociedades de economia mista? A discricionariedade magnifica os problemas de separação entre propriedade e controle. É preciso que as sociedades de economia mista listadas tenham como objetivo explícito a maximização de lucros. Quaisquer que sejam os interesses públicos associados à sua criação devem ser atingidos por meio de regulação adequada de sua atividade. Mas, se o objetivo deve ser maximizar lucros, por que não privatizar, submetendo-a, caso haja interesse público, à regulação relevante?

Dadas barreiras ideológicas, é importante pensar em alternativas que envolvam o monitoramento explícito da atuação do governo na gestão de estatais. Uma possibilidade mais palatável ideologicamente é introduzir controle compartilhado: permitir que outro acionista ou grupo de acionistas relevantes - cujo percentual deveria ser fixado em lei, compartilhe das decisões de gestão, monitorando, assim, o controlador estatal. Haverá custos 1- ex-ante: em relação ao que o Tesouro obteria com privatização, é razoável esperar que o novo controlador exija desconto substancial para virar sócio do governo; e 2- ex-post: discordâncias podem levar a disputas quanto a decisões essenciais - mas talvez seja a escolha "second best". Além disso, será preciso monitorar o monitor - o que mecanismos adequados de governo corporativo podem atingir.

Francisco Antunes Maciel Müssnich é mestre em direito pela Harvard Law School e em direito da regulação pela FGV-Rio, professor de direito societário do Departamento de Direito da PUC-Rio e sócio do escritório BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

Vinicius Carrasco é Ph.D. em economia pela Universidade Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio. 

Autor(a)
Por Francisco Müssnich e Vinicius Carrasco

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