O pedido de recuperação judicial apresentado pela Sete Brasil na sexta-feira é mais um capítulo de um enredo que começou a ser escrito em 2008 e que mistura a megalomania de um governo que ignorou os aspectos técnicos, um milionário esquema de desvio de recursos montado por empresas, executivos e partidos políticos e uma certeza de impunidade que caiu por terra com a Operação Lava-Jato.
Após mais de um ano no aguardo de uma revisão de contratos com a Petrobras para tentar uma reestruturação negociada, a Sete deu entrada na sexta-feira ao pedido de recuperação judicial, na 3ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. São R$ 18 bilhões em débitos pendentes com os seis grandes bancos nacionais, o Fundo Garantidor de Construção Naval (FGCN) e o FI- FGTS (dívida subordinada). Todos herança do Plano Nacional de Sondas criado pelo governo de Luis Inácio Lula da Silva em 2008.
Os acionistas buscam agora recuperar algum valor do que colocaram na companhia, um total de R$ 8,7 bilhões. E, com isso, pagar ao menos parte da dívida. Não se trata mais de remunerar investimento, só de restaurar o que for possível. Para isso, é primordial que a Petrobras aceite negociar e de fato contrate alguma das sondas. Do plano original para construção de 28, a estatal sinalizou que poderia ficar com dez.
O pilar da criação da Sete Brasil foi a demanda que a estatal alegava que teria para exploração do óleo do pré-sal - a grande reserva de petróleo descoberta em águas ultra-profundas e tornada pública em meados de 2007. Na época, a petroleira era gerida pela diretoria que a Lava-Jato revelou ter pilhado os cofres da empresa, num esquema de corrupção que envolvia os fornecedores, em especial, as grandes empreiteiras do país. Elas "devolviam" parte do valor dos contratos aos diretores da estatal e também aos partidos políticos ao qual cada um deles era ligado.
O Ministério Público Federal (MPF), na quinta-feira, fez a denúncia envolvendo a Sete Brasil. Há tempos ela era alvo de suspeita, o que deixava os acionistas da empresa apreensivos, a despeito das investigações internas sobre os contratos nada terem encontrado.
O MPF declarou que a criação dessa holding foi uma estrutura "quase diabólica" para manutenção do esquema corrupção existente dentro da Petrobras. Segundo a denúncia, ela foi idealizada pelos ex-gerentes da Petrobras Pedro Barusco, João Carlos Ferraz e Eduardo Musa (delatores na Lava-Jato), ao lado de João Vaccari, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT). Todos denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro.
O Valor cruzou as afirmações feitas pela denúncia do MPF com os e-mails colhidos pela Operação Lava-Jato dentro da Odebrecht e que mostram a cronologia dos contratos da Sete Brasil. Eles revelam que o projeto surgiu por decisão direta do presidente Lula e Dilma Rousseff, na época ministra da Casa Civil e presidente do conselho de administração da Petrobras.
Em 14 de maio de 2008, Rogério Araújo escrevia a Marcelo Odebrecht e Miguel Gradin, presidentes, respectivamente, executivo e do conselho de administração: "Internamente, na Petrobras, existe atualmente uma disputa entre a Engenharia e E&P [Exploração e Produção] sobre a construção no Brasil: a Engenharia tem alegado que procura sempre construir as unidades de produção no Brasil, apesar de todas as dificuldades, enquanto a E&P adota a solução de contratar no exterior! Com esta reação do Lula [sobre preferir fazer as sondas localmente], a Engenharia ganha força e certamente todas as outras sondas (ou a grande maioria) vão ser encomendadas para construção no Brasil!"
No dia seguinte, outro email de Araújo: "Lula e Dilma estão mantendo posição contraria contratação no exterior, o que levou a DE [Diretoria de Engenharia da Petrobras] não tomar decisão de contratação das sondas na reunião de hoje. A estratégia da Petrobras acertada com Lula e Dilma é fazer consulta a indústria (...) nesta próxima segunda feira, de um Plano de Construção de Sondas no Brasil." Na época, a Odebrecht negociava a operação de sondas que seriam construídas fora do país.
A Petrobras decidiu em maio daquele ano, junto com o governo, contratar 28 sondas para serem construídas dentro do Brasil, com 60% de conteúdo local. Em 2010, quando o plano começou a sair do papel, estimava-se em US$ 26,4 bilhões de investimento total.
O MPF estima que o projeto teria potencial para desviar da Petrobras cerca de US$ 216 milhões. O cálculo é que cerca de 1% de cada contrato fosse destinado pelos estaleiros ao pagamento de propina.
Como a Petrobras tinha muitos investimentos em várias áreas, o plano desenhado dentro da estatal previa uma companhia intermediária que "compraria" os contratos para as sondas - já negociados entre a Petrobras e os estaleiros - e cuidaria do financiamento do projeto. Assim, a dívida desse investimento ficaria fora do balanço da petroleira. Mas a estatal, mesmo como sócia minoritária, indicaria a diretoria dessa empresa, uma espécie de holding. Não por acaso, Barusco, Ferraz e Musa foram todos executivos transferidos à Sete, para a partir de lá gerirem os pagamentos feitos pelos estaleiros.
Na leva de emails de maio de 2008, Araújo assim explicava o projeto a Marcelo Odebrecht e Miguel Gradin: "O Plano da Pb [Petrobras] passa pela constituicao de uma SPE [sociedade de propósitos específicos] que faria o funding, contrataria os EPC's [projetos de engenharia e construção] e faria os contratos de aluguel. Esta SPC tambem compraria o pacote para todas as sondas."
Agora, com a denúncia do MPF, são esperadas diversas ações dos acionistas da Sete Brasil contra a Petrobras, em busca de ressarcimento, trazendo o custo desse fracasso para dentro da petroleira. Os fundos estrangeiros de participações EIG e Luce Venture já iniciaram suas batalhas jurídicas. O Valor apurou que mais três sócios nacionais preparam ações desse tipo, no Brasil, em causas bilionárias. (confira acima a lista de acionistas).
A Sete Brasil tem como sócios essencialmente bancos e fundos de investimento. A única exceção é a Petrobras, que possui 9,5% e é quem elege a diretoria da holding.
Foram os compromissos de apoio no financiamento pelo governo - que estava promovendo a revitalização da indústria naval brasileira com esse projeto - que levaram grandes bancos comerciais do país a apoiarem a Sete Brasil. Eles são os principais acionistas e os credores da holding. Viram a holding quase como uma operação financeira de renda fixa.
Em 2010, o BNDES assinou carta compromisso de financiar a empreitada em até US$ 9,3 bilhões. O Fundo da Marinha Mercante forneceria R$ 10,4 bilhões às sondas, volume que na época equivalia a US$ 3,9 bilhões. Contudo, nenhum deles chegou de fato a financiar a holding.
Os bancos comerciais forneceriam o dinheiro de curto prazo, até que o BNDES aprovasse as linhas definitivas, o que exigiria 957 contratos, em sete jurisdições diferentes e 50 interlocutores.
Até agora, de saldo, só prejuízo. O BTG Pactual, por exemplo, já fez baixa de R$ 1 bilhão em seu balanço. A Petrobras, por sua vez, lançou R$ 922 milhões. O Bradesco anunciou semana passada R$ 836 milhões em provisões. A exposição total -seja como acionista ou como credor - dos seis maiores bancos do sistema financeiro nacional é semelhante. A instituição mais exposta é o Banco do Brasil, que concedeu a maior linha de crédito: US$ 1,3 bilhão. O BB atuou apenas como financiador, não é sócio.
O BTG Pactual era o segundo mais vulnerável. Colocou cerca de R$ 2 bilhões no negócio, comprando ações e tornando-se o maior acionista, com 28% do FIP Sondas - o fundo de participações que é veículo do controle da empresa. Do total, metade era dinheiro do banco e a outra metade, de clientes de seu fundo de infraestrutura.
O terceiro banco mais suscetível é apenas credor, o Itaú, que emprestou US$ 700 milhões. Em seguida, aparecem Bradesco e Santander, que concederam US$ 500 milhões em linha de crédito e mais cerca de R$ 500 milhões em capital, como sócios. A Caixa Econômica Federal emprestou US$ 450 milhões e o FI-FGTS, R$ 2,5 bilhões.
As conversas na Odebrecht sobre as sondas revelam ainda que a Petrobras e o governo já tinham tudo planejado naquele maio de 2008. "A Pb [Petrobras] esta considerando os seguintes sites [para os estaleiros]: 1 ou 2 no RJ [ Rio de Janeiro], 1 PE [Pernambuco], 1 RS [Rio Grande do Sul] e 1 BA [Bahia]. Para Petrobras lançar este Plano, considera imperativa a participacao da Odebrecht, com um site, alem da QG [Queiroz Galvão], CCCC [Carmargo Corrêa], Jurong/Mac Laren e KFels. A ideia da Pb é de fazer negociação direta com estes grupos", mais uma vez informava Araújo, aos sócios Marcelo Odebrecht e Miguel Gradin.
As sondas da Sete Brasil agora, duas delas cerca de 90% concluídas, se juntam aos dois maiores projetos de refinarias da Petrobras, a Refinaria Abreu e Lima (que produz apenas em metade de sua unidade) e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Bilhões investidos e que hoje nada geram nem de receita à Petrobras nem de empregos no país, com pretendia o programa de conteúdo local. Todas essas empreitadas constavam do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine dos governos de Lula e Dilma.
Autor(a)
Graziella Valenti