O presidente interino Michel Temer fez a primeira grande alteração na legislação do setor elétrico desde que assumiu o poder, com a Medida Provisória (MP) 735, publicada ontem e que altera trechos de diversas leis, modificando a gestão de encargos setoriais e criando medidas para facilitar a transferência de controle de ativos e privatizações de empresas de energia. A primeira privatização do governo deverá ser a da Celg Distribuidora (Celg D), cujo edital estava previsto para ser publicado hoje.
A norma vai além do setor elétrico. Um dos itens prevê que os leilões de desestatização possam ser feitos com a inversão de fases na classificação das propostas e habilitação das proponentes. Na prática, a medida torna o processo menos burocrático, pois será analisada a documentação de habilitação apenas do licitante mais bem classificado. Se este for inabilitado, serão analisados os documentos do segundo colocado, e assim sucessivamente. O item beneficia o leilão da Celg D e das demais distribuidoras da Eletrobras, mas contempla qualquer ativo no Programa Nacional de Desestatização (PND).
Com relação especificamente ao setor elétrico e, em um primeiro momento, à privatização da Celg D, a MP permite que seja dado ao futuro controlador da empresa um novo contrato de concessão, com 30 anos de duração. A norma permite ainda que o poder concedente flexibilize o prazo para o novo controlador atender as metas de qualidade do serviço exigidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Se por um lado, o governo manteve o valor mínimo da Celg D, para efeito de leilão, em R$ 2,8 bilhões, mesmo com as críticas de potenciais interessados, por outro, as mudanças incluídas na MP 735 aliviam o futuro controlador da distribuidora de fazer pesados investimentos de imediato na concessionária, para atingir as metas definidas pela autarquia.
"Isso certamente dará ao novo controlador fôlego para fazer os investimentos e aportes necessários e vai reduzir o risco do negócio. Isso valoriza mais ainda o apetite do competidor interessado na Celg D", disse o diretor de gestão corporativa da Celgpar, Elie Chidiac. O governo goiano detém 49% da Celg D, através da Celgpar. O restante pertence à Eletrobras.
Para a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, além da MP, o aumento da confiança no país, após a mudança de governo federal melhorou a perspectiva para o leilão da Celg D. "Quando Temer assumiu, já foram gerados indicadores mais propícios para o leilão. A ideia era fazer o leilão antes, mas agora vamos nos beneficiar desse cenário mais favorável".
O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, avalia que as mudanças incluídas na MP são "um esforço resultante da dificuldade em se mexer com o preço, para tornar a Celg D mais atrativa".
Para Marcos Saltini, vice-presidente da consultoria em serviços em utilities CGI Brasil, as regras simplificam o processo de venda da Celg e demais distribuidoras da Eletrobras, mas as dívidas dessas empresas ainda são um obstáculo. "Para os novos investidores, a MP facilitou ao tornar o processo mais fácil. Mas se o governo não tratar da questão da dívida [da Celg D], acho que ainda não vai resolver".
Conforme antecipado ontem pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, a continuidade da privatização da Celg D ainda depende do desfecho de um empréstimo de R$ 1,9 bilhão contratado junto à Caixa Econômica Federal. Uma cláusula do contrato determina que o empréstimo seja quitado integralmente em caso de privatização. O governo goiano se ofereceu para assumir diretamente a responsabilidade sobre o pagamento do saldo da dívida, mas a proposta ainda não foi aceita pelo Tesouro Nacional, o garantidor do empréstimo.
Segundo o presidente da Caixa, Gilberto Occhi, o banco não vê problemas na troca da titularidade do devedor, mas a questão deve ser respondida pelo Tesouro. "Fizemos uma consulta ao Tesouro e estamos aguardando o posicionamento", explicou.
Ainda de acordo com a MP, segundo o presidente da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello, a mudança nas regras são "um sinal claro de que será feita a privatização dessas empresas [da Eletrobras]. É a melhor solução".
A MP também pode viabilizar a venda de ativos da Abengoa, que está em recuperação judicial, pois permite que o concessionário apresente plano de transferência de controle societário como alternativa à extinção de outorga. Segundo especialistas, porém, a medida não mexe em um ponto essencial: o valor baixo de receita permitida para as linhas de transmissão da empresa espanhola.
"Apesar de estar prevista a possibilidade de venda de controle, vemos que é muito difícil que os interessados acudam para comprar essas linhas. Por outro lado, fala-se que a Aneel vai regulamentar o processo ainda. Acho difícil, mas é possível que a Aneel coloque esses pontos em uma nova regulamentação", afirmou o advogado Tiago Figueiró, sócio da área de energia do escritório Veirano Advogados.