Procuradores da República e advogados ligados à Odebrecht acreditam que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, poderá pautar para discussão em plenário o acordo de leniência no valor de US$ 2,5 bilhões (R$ 8,512 bilhões) firmado pelo grupo com o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná em 1º de dezembro de 2016.
O gancho para uma possível discussão da leniência da Odebrecht no Supremo é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pela procuradora-geral da República Raquel Dodge contra a fundação anticorrupção criada pelo MPF, que diz respeito a outro acordo, que envolve a Procuradoria, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ na sigla em inglês) e a Petrobras. Trata-se do instrumento que possibilitaria ao MPF fiscalizar fundo abastecido com os recursos pagos pela estatal em caráter de indenização. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, ao discutir este tema, o Supremo pode entrar no mérito da leniência da Odebrecht.
Se o acordo de leniência da Odebrecht perder a validade, as empresas do grupo deixarão de ter segurança jurídica, porque estarão sujeitas a sofrer ações cíveis dos organismos de controle do poder público. Também aumentaria o risco de a empresa ter de recorrer à recuperação judicial. Hoje, a dívida global da Odebrecht é estimada em R$ 80 bilhões com seus credores.
O acordo que criou o fundo anticorrupção está suspenso por liminar concedida pelo relator da ADPF no Supremo, ministro Alexandre de Morais. No dia 2 de abril, um deputado do PT, Jorge Solla (BA), pediu que os efeitos dessa medida cautelar sejam estendidos para todo o acordo de leniência da Odebrecht. O argumento do petista é que, assim como no episódio da criação do fundo anticorrupção, o MPF teria extrapolado sua competência também neste caso.
Para Solla, a exemplo do que ocorreu na criação da fundação anticorrupção, no acordo de leniência da Odebrecht o MPF previu em suas cláusulas, para si e para a 13ª Vara de Curitiba, "montantes financeiros consideráveis e sem qualquer tipo de fiscalização quanto à sua utilização".
Na opinião de pessoas que atuaram na costura do acordo da Odebrecht, foi dada a senha para que o STF também leve a julgamento a legalidade do acordo de leniência do grupo - ou o faça durante eventual debate sobre o mérito da ingerência praticada pelo MPF na constituição do fundo privado com recursos públicos da Petrobras. Atualmente, o regimento interno do STF e a legislação não estabelecem prazo para julgamentos. O relator da matéria e a presidência do tribunal determinam a pauta do plenário da Corte.
Negociada ao longo de quase dois anos, a leniência da Odebrecht foi definitiva para cessar corrupção nas empresas do grupo e fundamental para o processo de reestruturação financeira. O grupo busca comprador para o seu melhor ativo, a Braskem, braço petroquímico em que mantém sociedade com a Petrobras.
A leniência envolveu autoridades do governo americano e suíço, porque a Odebrecht e suas empresas confessaram o pagamento de propina a políticos e servidores públicos usando contas e offshores abertas no exterior para movimentar valores relacionados ao esquema de corrupção na Petrobras.
O acordo que criou o fundo anticorrupção provocou grande polêmica e divisão no Ministério Público. A cifra bilionária entregue pela Petrobras está em uma conta judicial vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba. Para não ser alvo de uma ação criminal nos Estados Unidos, a Petrobras fechou entendimento com os investigadores americanos e ficou acertado que pagaria US$ 853,12 milhões como penalidade. Com a repercussão negativa resultante da fundação anticorrupção, o MPF desistiu do fundo e solicitou à Justiça a sua suspensão, em 12 de março, "diante do debate social existente sobre o destino dos recursos", escreveram os procuradores da força-tarefa do Paraná.
Cerca de duas horas depois de divulgada a desistência, no mesmo dia 12 de março, a procuradora-geral Raquel Dodge apresentou a ADPF requerendo ao STF a nulidade da homologação do acordo que criava o fundo.
Dodge questionou a competência da força-tarefa de Curitiba para pactuar o acerto, criticou o protagonismo "de determinados membros da instituição" - crítica indireta a Deltan Dallagnol - e elencou o que considerou uma série de violações de princípios constitucionais. Possível candidata à reeleição, a chefe do MPF está no meio de uma queda de braço com seus comandados do Paraná que envolve a composição da lista tríplice para a eleição de procurador-geral da República.
Três dias depois, em 15 de março, uma liminar do ministro Alexandre de Morais suspendeu os efeitos do acordo de assunção de obrigações firmado pela Petrobras com o MPF do Paraná e também a sua homologação pela 13ª Vara de Curitiba. O ministro determinou ainda o bloqueio dos valores depositados pela petrolífera em juízo.
Desde então, o relacionamento do Supremo com o MPF passou a ser turbulento, descambando para trocas de acusações. Toffoli abriu, de ofício, inquérito sob a justificativa de apurar 'fake news' contra a Corte e escolheu Alexandre de Morais seu relator. Sem um objeto delimitado de investigação, o inquérito foi criticado por procuradores e alguns juristas, que enxergaram na iniciativa um instrumento para investigar procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.
No dia 9 de abril, o empresário e delator Marcelo Odebrecht, que está afastado da empresa, depôs à Polícia Federal (PF) e disse que a expressão "amigo do amigo de meu pai", usada em e-mails enviados a executivos do grupo em 2007, era uma referência ao atual presidente do STF, então advogado-geral da União no governo Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevistas, Toffoli negou qualquer irregularidade. Executivos da Odebrecht também disseram que a citação não indicava a participação do ministro em ilícitos ou o recebimento de valores. Procurado por este jornal anteontem por meio de sua assessoria de imprensa, Toffoli não foi localizado. (Colaborou César Felício).
02/05/2019