As empresas em recuperação judicial têm conseguido no Judiciário evitar que seus bens sejam leiloados ou comprometidos para o pagamento de dívidas tributárias e até mesmo bancárias. Em casos como esses, que já encontram apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem-se aplicado o que se chama juridicamente de princípio geral de preservação ou função social das empresas. A ideia é evitar a venda ou penhora de bens essenciais à produção ou manutenção da companhia, cuja retirada significaria a quebra do empreendimento.
Essa linha de entendimento evitou, por exemplo, que uma empresa de alimentos de Itaquecetuba, interior de São Paulo, fosse despejada de sua própria sede. O imóvel onde funciona a fábrica foi dado em garantia a uma dívida de R$ 10 milhões com um fundo de investimentos - contrato de alienação fiduciária. A empresa em recuperação judicialnão conseguiu quitar o débito na data prevista e o fundo passou a ter direito de propriedade sobre o imóvel. Por esse motivo, o credor pediu ao Judiciário e obteve decisão favorável para a desocupação do local.
No entanto, apesar de as questões previstas em contratos de alienação fiduciária não se submeterem aos efeitos da Lei de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 2005), a empresa recorreu ao STJ, que interpretou a questão de modo diverso. Para a Corte, o bem seria indispensável à preservação da atividade econômica da devedora, "sob pena de inviabilizar a empresa e os empregos por ela gerados". A companhia emprega 150 pessoas e gera indiretamente cerca de 400 empregos.
Para os ministros, isso não significa que o imóvel não será entregue ao fundo de investimentos, mas que o juiz darecuperação judicial deverá estabelecer prazos e condições para essa entrega, fixando remuneração pela ocupação do bem. O advogado Fernando De Luizi, da Advocacia De Luizi, representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Guarulhos e Região, que também participou do processo, afirma que o STJ tem adotado uma posição firme em relação à constrição de bens de empresas em recuperação judicial e evitado que a retomada das companhias possa ser prejudicada. "A finalidade social das empresas, como a geração de empregos, tem sido considerada", afirma. Segundo o advogado, o mesmo princípio tem evitado que o Fisco - que não participa dos planos de recuperação judicial - consiga penhorar bens para o pagamento de débitos tributários.
No ano passado, por exemplo, o STJ determinou a devolução de duas máquinas à Borcol Indústria de Borracha, fabricante de tapetes, instalada em Sorocaba, interior de São Paulo. Os equipamentos foram leiloados em um processo de execução fiscal promovido pela Fazenda Nacional contra a empresa e chegaram a ser arrematados. A ação de cobrança foi apresentada pelo menos dois anos antes de a empresa entrar em recuperação. Como a Lei de Falências não determina a suspensão desse tipo de execução, ela continuou a correr paralelamente ao processo derecuperação.
A juíza do processo de recuperação determinou a suspensão da execução, mas o juiz federal responsável pela ação de cobrança do Fisco não aceitou o pedido. Por isso, a questão foi parar no STJ num conflito de competência entre os magistrados, pois ambos entendiam que poderiam decidir a questão. A Corte superior suspendeu os leilões por considerar mais importante naquele momento a manutenção dos empregos e a finalidade social da companhia do que os créditos fiscais. "Não é justo tirar um bem essencial de uma empresa em dificuldade. Se ela quebrar, perderá a sociedade com o desemprego e o próprio Fisco, que deixará de arrecadar tributos", afirma o especialista emrecuperação judicial Júlio Mandel, do Mandel Advocacia.
Já em uma decisão recente, o STJ suspendeu a penhora de dinheiro na conta bancária da Lotáxi Transportes Urbanos, de Brasília. O advogado que representou a empresa no processo, Marcus Vinícius de Almeida Ramos, do escritório Almeida Ramos Advogados, afirma que sua cliente está em recuperação judicial e, no entanto, sofreu penhora de recursos financeiros para o pagamento de débito com o Fisco federal. Segundo ele, esse tipo de decisão quebra o plano de recuperação judicial, elaborado a partir de um planejamento de pagamento dos credores. "Essas decisões atacam o patrimônio da empresa e podem inviabilizar o plano", afirma Ramos.
Nesse caso, além da função social da empresa, o STJ considerou que apesar da Lei de Falências ser de 2005, até hoje não foi aprovado pelo Congresso, como previsto na própria norma, um parcelamento especial para as empresasem recuperação judicial, destinado a quitar débitos com os fiscos estaduais, municipais e federal.
Autor: Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico (30/06/2011)