Dívida fiscal representa 42% do valor devido por empresas que fecharam parcelamento nos processos, segundo Insper
15/02/2024
O uso de transação tributária para parcelamento de dívidas fiscais de empresas em recuperação judicial tem colocado a União em pé de igualdade com demais credores, segundo estudo inédito elaborado pelo Núcleo de Tributação do Insper.
O trabalho mostra também que o sucesso dessas negociações contribuiu para mudar a jurisprudência sobre a necessidade de regularização fiscal para aprovação do plano de recuperação dessas empresas.
As conclusões fazem parte do 5º Relatório de Pesquisa do Observatório de Transações Tributárias, elaborado pelos pesquisadores do Insper Carla Novo, Daniel Zugman, Frederico Bastos, Larissa Longo e Leonardo Alvim.
Eles analisaram os acordos com a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) dos 36 contribuintes em recuperação judicial que firmaram transações individuais, considerando empresas com processos em meio eletrônico no Judiciário.
Prazos de pagamento e desconto foram comparados com aqueles obtidos pelos demais credores nas ações de recuperação judicial.
Os dados mostram, em primeiro lugar, que a União está entre os principais credores. De uma dívida total (débitos tributários e não tributários) de R$ 13,8 bilhões, 42% são dívida fiscal.
Em relação aos prazos, nas transações com a PGFN, a mediana da quantidade de parcelas pactuadas foi de 120 meses, ou seja, 10 anos. O prazo é inferior ao verificado para o recebimento de dívidas com garantia real, de 12,5 anos, e quirografárias (sem garantias), de 13,1 anos, superando o parcelamento de débitos com pequenas empresas (7,6 anos) e trabalhistas (cerca de um ano).
O valor total da dívida fiscal é de R$ 5,7 bilhões, sobre o qual se aplicou a mediana de desconto de 68% nas transações com a PGFN, percentual também inferior aos das dívidas com garantia real (70%) e quirografárias (73%), mas superior ao das micro empresas e empresas de pequeno porte (58%). Não foi possível fazer a comparação com as dívidas trabalhistas.
Lei de 2020 autoriza descontos de até 70% e pagamento em até 145 meses nas transações com a PGFN.
O pesquisador do Insper Daniel Zugman afirma que as informações mostram uma coerência entre os dados da transação tributária e a ordem de pagamentos aplicável na recuperação, privilegiando dívidas trabalhistas, seguidas por aquelas com garantia real e, depois, as fiscais.
"Havia um receio de que talvez a transação estaria sendo mais generosa do que deveria. Ou o contrário também, que deveria ser mais flexível. Mas pelo que a gente conseguiu mapear, ela está coerente", afirma Zugman.
A pesquisadora do Insper Carla Novo avalia que as principais diretrizes da lei da transação estão sendo atendidas.
"Um dos grandes nortes é a possibilidade de recuperar para os cofres públicos valores que não seriam recebidos de nenhuma forma e possibilitar que essas empresas se regularizem e recuperem sua saúde financeira. A gente conseguiu ver que a diretriz da transação tributária, nesse sentido, está sendo atendida", afirma a tributarista.
Para ampliar a amostra, os pesquisadores do Insper também compararam os dados das transações desses 36 contribuintes com prazos e descontos em milhares de processos de recuperação judicial no estado de São Paulo, levantados pela ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria).
Nesses casos, as dívidas com garantias reais sofreram um deságio médio de 47,2%. As quirografárias, de 70,8%. Ambas foram liquidadas em um prazo médio de 9 anos.
VIRADA NA JURISPRUDÊNCIA
Zugman afirma que, ao longo de anos, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) estabeleceu jurisprudência relativizando a necessidade de certidão de regularidade fiscal para o processamento de recuperações judiciais.
A nova legislação sobre a transação, que permitiu a essas empresas regularizar sua situação junto à Fazenda, mudou o cenário.
Ele cita recente decisão unânime da 3ª Turma corroborando a exigência de certidão. No Tribunal de Justiça de São Paulo, as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial também proferiram diversos acórdãos chancelando a obrigatoriedade.
"A jurisprudência começou a mudar para dizer que você precisa sim apresentar a certidão. Porque antes não existia, mas agora você tem o caminho da transação. E aí a gente vê muitas decisões recentes do TJ de São Paulo e algumas do próprio STJ fazendo essa virada de entendimento", diz Zugman.
O trabalho destaca também um descasamento entre a redução no número de pedidos de recuperação judicial de 2016 até 2022 e o aumento no número de transações tributárias com empresas nessa situação. A hipótese é que isso esteja ligado a uma demanda reprimida para solução desse passivo fiscal.