O diálogo entre Fisco e contribuinte é essencial para o bom funcionamento de qualquer sistema tributário e deve ocorrer em todas as esferas: administrativa e contenciosa (administrativa e judicial).
Recentemente, a Receita Federal do Brasil deu um importante passo ao inaugurar a possibilidade de que as instruções normativas sejam debatidas com a sociedade mediante consulta pública, previamente a sua edição. A Portaria RFB Nº 35, de 07 de janeiro deste ano, permite que o Fisco publique minuta de atos normativos para sugestões dos administrados antes da edição do ato.
Com isso, espera-se que haja um maior debate antes da edição de atos normativos que, a despeito de regulamentarem leis, criam obrigações aos contribuintes e regulam exercício de direitos já reconhecidos em lei.
A participação da sociedade na elaboração de IN's poderá amenizar controvérsias entre Fisco e contribuintes
A participação da sociedade na elaboração de instruções normativas (IN's) poderá por certo amenizar as controvérsias entre Fisco e contribuintes, muito comuns em situações nas quais as normas são publicadas com vigência em curto período e atingem direitos de contribuintes que, lesados, buscam o Judiciário na tentativa de afastar as regulamentações editadas pelo Fisco. Ainda, poderá haver uma adequação entre as obrigações perpetradas e as posturas viáveis de serem adotadas pelos contribuintes. Com isso, novamente, poderemos evitar conflitos judiciais.
Ora, é sabido que o Judiciário se encontra abarrotado de causas tributárias aguardando solução. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal na Justiça Federal apontou que o custo unitário do processo de Execução Fiscal federal, considerando tão somente a máquina judiciária (ou seja, excluindo-se a remuneração dos advogados públicos) chega a R$ 4.368,00 - custo ponderado da remuneração dos servidores em face do tempo operacional das atividades efetivamente realizadas, considerados o tempo que o caso fica parado e também a mão de obra indireta.
No entanto, a despeito do elevado custo unitário, a efetividade da solução por meio de ações executivas fiscais não é satisfatória também em decorrência dos parâmetros apontados pelo IPEA/CNJ. Apenas três quintos dos processos de execução fiscal vencem a etapa de citação e, dos 2,6% de casos em que se chega a leilão para adjudicação de bens, somente em 0,2% dos casos há efetiva satisfação do crédito, segundo o IPEA/CNJ.
Em contrapartida à baixa efetividade, levantamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que as ações tributárias e previdenciárias representavam 15,47% do total dos recursos em andamento perante a Corte (dados atualizados até setembro de 2009). No ano de 2012, esse percentual alcançou 22,31% dos recursos autuados no STF e, em 2014, chegou-se a surpreendentes 25,29%.
Ou seja, as causas tributárias e previdenciárias (matérias regulamentadas pela Receita Federal do Brasil) representam relevante parcela dos recursos julgados pelo STF mas, infelizmente, a eficácia dessas decisões não reflete, por exemplo, numa satisfatória recuperação do crédito tributário.
É hora de as autoridades legislativas pensarem em meios alternativos para solução de conflitos tributários. O diálogo Fisco x contribuinte pode ocorrer não só na elaboração de atos normativos, mas também nos cálculos de tributos, formas de recuperação de créditos, atos e procedimentos aduaneiros etc. E até mesmo na solução de controvérsias já travadas, mediante adoção de métodos alternativos ao adjudicatório judicial para solucionar controvérsias tributárias.
Exemplo bem sucedido é o instituto do "Offer in Compromising", pelo qual o Fisco federal (IRS - Internal Revenue Service) avalia a capacidade do contribuinte de quitar o débito. Leva em consideração, para tanto, sua renda, seus gastos e suas posses, permitindo, quando entender prudente, que o débito seja quitado mediante pagamento parcial do total devido. Aceita a proposta pelo Fisco, o contribuinte realizará o pagamento em dinheiro (à vista ou em parcelas). Verifica-se que, com o pagamento das condições acordadas entre as partes, se dará a extinção do crédito tributário.
Portugal instituiu a arbitragem tributária em 2001 (Decreto-Lei nº 10), a qual pode ser instaurada para solução de "qualquer questão de fato ou de direito", destacando, dentre as questões arbitráveis, a declaração de ilegalidade de atos normativos.
No Brasil, as possibilidades de diálogo são mínimas. A consulta pública recém-divulgada pela Receita Federal é importante passo, mas é necessário que novas frentes sejam inauguradas para viabilizar o diálogo entre fisco e contribuinte, tanto preventivamente aos conflitos, como para solução das controvérsias já instauradas.
Priscila Faricelli de Mendonça é advogada associada da área de Tributos de Trench, Rossi e Watanabe e autora do livro Arbitragem e Transações Tributárias