Vista com bons olhos pelo setor empresarial por ampliar as categorias beneficiadas pelo Simples Nacional, a recém-promulgada Lei Complementar nº 147 trouxe também, sem alarde, significativas modificações na Lei nº 11.101, de 2005, que regulamenta a recuperação judicial de empresas.
Assunto recorrente após a utilização pela OGX, a recuperação judicial é um instrumento jurídico que visa criar condições para que a empresa em situação de crise transitória possa se reerguer, o que se dá, via de regra, pela construção de um consenso entre devedora e credores acerca de condições diferenciadas de pagamento das dívidas e/ou reestruturação de suas atividades, com vistas à manutenção da atividade produtiva.
Para construção do consenso, as condições diferenciadas de pagamento e reestruturação devem estar expostas em um plano de recuperação judicial, a ser analisado, objetado bem como aprovado, modificado, ou rejeitado pelos credores, segmentados por classes.
A Lei Complementar nº 147 trouxe importantes avanços para a recuperação judicial das microempresas
Pela redação anterior da lei, existiam três classes de credores: a dos detentores de créditos quirografários (títulos de crédito sem garantia), dos créditos com garantia real e dos créditos trabalhistas. Nesse aspecto, a lei complementar inovou ao inserir uma nova classe de credores, a dos créditos de microempresas e empresas de pequeno porte, que será abordada mais à frente.
As mudanças mais significativas, porém, convergem no sentido de tornar possível a adoção pela empresa em crise de um dos instrumentos até então subutilizados da lei, a recuperação judicial específica para microempresas e empresas de pequeno porte.
Anteriormente, somente credores quirografários estariam sujeitos a esse sistema de reestruturação. No novo modelo, foram incluídos no chamado "plano de recuperação especial" todos as classes existentes na recuperação judicial.
Também foi alterada a forma do plano que, apesar de ainda a limitar o parcelamento das dívidas em até 36 meses, permite agora a elaboração de propostas para abatimento das dívidas, tornando o instrumento mais atrativo.
Outro esforço legislativo foi em direção à redução dos custos do processo, tornando desnecessária a realização de assembleia de credores para análise do plano de recuperação judicial especial e a criação de um teto de remuneração para o administrador judicial nomeado (em até 2%).
Por outro lado, a criação de uma nova classe exclusiva para as microempresas e empresas de pequeno porte na condição de credoras, obrigatória para qualquer modalidade de recuperação judicial e vendida como bondade legislativa, representa, em verdade, uma maldade travestida.
O raciocínio é simples, considerando o ranking do empreendedorismo nacional divulgado em 2013 pelo IPEA, onde as microempresas e empresas de pequeno porte representavam 99% do total das empresas no país, a criação da nova classe de credores nessa condição significa a retirada de percentual similar de credores nas duas classes preexistentes, a dos credores com garantia real e a dos quirografários, que passarão a contar apenas com credores de maior poder econômico.
Assim, considerando que para aprovação direta de um plano de recuperação judicial é necessária a aquiescência da maioria dos credores em cada uma das classes, na prática, foi eliminada a resistência que os credores menores, quando somados, representavam aos interesses das empresas maiores nas classes preexistentes, obrigando a empresa em recuperação judicial a oferecer melhores condições aos grandes credores, não aos pequenos.
A crítica não é gratuita, pois a própria forma de aprovação do plano na nova classe de credores, exclusivamente pelo número de votantes, sugere que o valor dos créditos não tem mais relevância, ao contrário das duas classes preexistentes, que ainda exigem a aprovação cumulada pelo valor e número de votantes.
Outra inovação inserida pela lei é a de que as empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% superiores de parcelamento de débitos tributários. Foi mantida, contudo, a necessidade de regulamentação da matéria pelos entes federativos, que há anos não o fazem.
Entretanto, apesar da propositada omissão, o Código Tributário Nacional já obriga, na ausência de lei específica, a aplicação das leis gerais de parcelamento ao devedor em recuperação judicial, não podendo, ainda, ser a condição inferior à concedida pela lei federal específica.
Nesse contexto, transpondo a situação para a prática e tomando como base a última lei federal de parcelamento, que prevê prazo de até 180 meses (Lei nº 12.973, deste ano), ao optar pela recuperação judicial especial, as microempresas e empresas de pequeno porte passariam fazer jus ao parcelamento em 216 meses, um importante avanço, ainda que não proposital.
Assim, entre bondades e maldades a serem lapidadas pelo Poder Judiciário, a Lei Complementar nº 147 trouxe importantes avanços acerca da recuperação judicial das microempresas e empresas de pequeno porte, tornando-a, de fato, um instrumento para sua reestruturação.