Depois de fechar neste ano as três fábricas que mantinha na Bahia e transferir a produção para uma empresa licenciada no Rio Grande do Sul, a calçadista Via Uno, em recuperação judicial desde setembro de 2013, pretende vender a marca e os equipamentos industriais para evitar a falência e se livrar de um passivo de R$ 240 milhões. A proposta será apresentada na próxima assembleia de credores, marcada para o dia 27 deste mês.
A avaliação da empresa é que não há mais condições de reestruturar as operações devido ao desgaste acumulado com bancos e fornecedores. Além disso, a receita líquida daqui para a frente, equivalente aos royalties de 5% sobre as vendas da RR Shoes, de Santo Antônio da Patrulha, licenciada desde o mês passado, deve ficar em torno de R$ 250 mil por mês, um valor muito pequeno para suportar o pagamento dos débitos, mesmo que alongados.
Procurado pelo Valor, o advogado Thomas Müller, do escritório Dulac Müller Advogados, que representa a Via Uno, confirmou que a empresa vai propor a venda da marca e a transferência dos contratos com os cerca de 40 franqueados remanescentes no país pelo valor simbólico de R$ 1, mais a assunção das dívidas. O prazo que o eventual comprador terá para pagar os credores será proposto em no máximo dez anos.
Já os equipamentos das fábricas na Bahia, que operavam em prédios cedidos pelas prefeituras de Serrinha, Valente e Conceição do Coité, serão vendidos para pagar as dívidas trabalhistas pré e pós-recuperação judicial, que, segundo o administrador judicial Laurence Bica Medeiros, chegam a R$ 12 milhões. Conforme Müller, entretanto, o valor arrecadado não deverá ser suficiente para liquidar esses débitos. A empresa deve mais R$ 40 milhões em impostos, que não serão assumidos pelo comprador.
Fundada em 1991, em Novo Hamburgo, centro do polo calçadista do Rio Grande do Sul, a Via Uno informava no fim de 2012 que tinha uma rede de 270 lojas franqueadas, próprias e exclusivas, sendo 158 no Brasil e 112 em mais 25 países. O acelerado processo de expansão foi visto pelo mercado como uma das razões para os problemas enfrentados pela empresa.
Outro fator que complicou a vida da fabricante foi a elevação progressiva dos preços dos seus calçados, que ultrapassaram a faixa de R$ 200 no ano passado. Embora a estratégia tenha contribuído para construir uma marca associada a produtos de qualidade, ela também limitou as vendas e, depois do início da recuperação judicial, a empresa passou a trabalhar com linhas mais acessíveis. Mas aí o setor passou a sofrer com a desaceleração do mercado interno e a Via Uno não conseguiu cumprir os próprios orçamentos.
A expansão acelerada também exigiu aportes consideráveis de capital de giro, o que aumentou o endividamento financeiro da empresa. Hoje os maiores credores são o Banrisul, com R$ 35,2 milhões em empréstimos com garantia real e R$ 24 milhões sem garantia (quirografários), e a fabricante de calçados Paquetá, de Sapiranga (RS), com R$ 57,6 milhões a receber, informa Medeiros.
A relação entre as duas calçadistas é um capítulo ainda nebuloso nesta história. Em 2011 a Paquetá confirmou ao Valor que negociava a aquisição da Via Uno, mas não deu mais detalhes. Na prática, porém, ela já seria a controladora naquela época, tanto que boa parte dos créditos que detém no processo corresponde ao pagamento de avais oferecidos à empresa hoje em recuperação judicial, e depois se retirou do negócio.
As operações entre as duas nunca foram esclarecidas nem transcritas nos registros societários, já que eram firmadas por meio de instrumentos particulares de contrato. Assim, em caso de falência da Via Uno, a Paquetá corre o risco de enfrentar processos judiciais para assumir parte das dívidas. Já há, inclusive, ações trabalhistas movidas contra as duas empresas simultaneamente. Em setembro de 2013 a Via Uno tinha 1,8 mil funcionários.
Para o advogado João Medeiros Fernandes Júnior, especialista em recuperação judicial, numa situação como esta, poderia ser vantajoso para a Paquetá comprar os créditos de outros credores e assumir o controle da Via Uno sem os passivos, inclusive tributários. O Valor apurou, no entanto, que a Paquetá não tem interesse na aquisição. Procurada, a empresa não quis dar entrevista.