Parece inquestionável que a Lei 11.101/2005 promoveu inúmeras e significativas alterações quanto aos processos envolvendo empresas em situação de dificuldade financeira ou de insolvência. Ao eliminar o antigo sistema de concordata e implantar os modelos de recuperação judicial e extrajudicial, a Lei 11.101/2005 procurou agregar instrumentos que permitissem viabilizar a superação das situações de crise, preservando a atividade produtora desenvolvida pela empresa e mantendo-se os empregos e a geração de recursos para todos os envolvidos.
Entretanto, passados alguns anos de aplicação efetiva da Lei 11.101/2005, já são muitas as vozes que defendem a necessidade de modificações legislativas que contemplem as experiências práticas (bem e mal sucedidas) e que possam aprimorar os institutos trazidos por tal legislação.
A esse respeito, interessa-nos, de modo particular, a venda de ativos realizada no curso da recuperação judicial.
É extremamente árdua a recuperação de uma situação de crise financeira sem a possibilidade de contar com novos recursos. Nesse momento de dificuldade, a empresa necessita de capital para dar andamento em suas atividades normais ou mesmo para que possa se reinventar rumo à superação da crise. Ciente dessa necessidade, a Lei 11.101/2005 prevê algumas alternativas, como o benefício concedido ao credor que continua apostando na empresa insolvente e que fornece bens, serviços ou mesmo recursos durante o processo de recuperação judicial (artigo 67) e o extenso rol de meios de recuperação listados, com vistas a permitir todas as formas que se mostrem viáveis à continuidade das atividades empresariais (artigo 50).
Especialmente no que toca à venda de ativos, inovou a Lei 11.101/2005 ao tratar das chamadas “unidades produtivas isoladas”, popularizadas sob a sigla UPI, dando tratamento ao conhecido e tormentoso tema da sucessão de dívidas, consoante previsto no parágrafo único do artigo 60. O objetivo do legislador foi claro: viabilizar (e, sobretudo, incentivar) o ingresso de recursos na empresa com dificuldade financeira por meio da venda de parte de seus bens agregando a sobrevalia da ausência de sucessão e, com isso, potencialmente aumentando o número de compradores interessados e melhorando o preço desses ativos.
Muito se questionou sobre o conceito da UPI, notadamente considerando as situações concretas em que se pôs à venda muito mais do que uma mera unidade isolada. Nas vendas de parcela significativa dos ativos relevantes da empresa devedora, nas vendas das “joias da coroa” ou da integralidade do próprio parque fabril, surgiu o desafio de se definir o que seria a tal UPI. Por outro lado, também foram intensas as discussões jurisprudenciais sobre a efetividade da blindagem trazida pelo referido dispositivo legal, sobretudo em razão das tentativas de credores trabalhistas e do próprio fisco, para que, mesmo nos casos de venda das unidades produtivas isoladas, previstas e aprovadas no plano de recuperação, houvesse a responsabilidade do terceiro adquirente pelas dívidas dessas naturezas.
Ultrapassado esse primeiro momento, quer nos parecer que sejam prementes alterações legislativas pontuais no que tange à venda de ativos em cenário de recuperação, com um duplo escopo: aumentar a segurança jurídica acerca da ausência de sucessão de dívidas, de modo a propiciar a participação de um número cada vez maior de potenciais interessados na aquisição dos bens da empresa em recuperação, ao mesmo tempo em que se permita uma maior agilidade nessas alienações de ativos.
Especialmente quanto ao último ponto, já vivenciamos situações práticas em que a urgência no ingresso de recursos financeiros para a empresa em recuperação é de tal ordem que se mostra impossível aguardar os prazos estabelecidos na Lei 11.101/2005 ou mesmo observar todos os passos formais por ela trazidos para garantir que a venda se concretize sem os riscos de sucessão. Assim, esse importante instrumento para recuperação da situação de crise poderia ser seguramente melhorado caso fosse permitida a venda e a exploração de ativos, unidades ou estabelecimentos desde o início do processo, ainda que sujeito ao escrutínio especial por parte do juízo da recuperação ou do administrador judicial e ao consentimento de credores relevantes, blindando efetivamente o terceiro adquirente dos riscos de sucessão em qualquer cenário.